Portela (Santa Marinha)
Com Portugal sob ordem de prisão domiciliária, lá me aventurei até à Portela, a última freguesia famalicense a norte, antes do concelho de Braga. Terras elevadas, povoadas de pedreiras entre eucaliptais, e, na fronteira com Escudeiros, já da cidade do Senhor Arcebispo Primaz, dois canhões, um voltado contra o outro, e a respectiva tropa de Artilharia, fardada de cinzento com capacetes metálicos, os muares de puxar as peças atados ao arvoredo, tudo como no tempo da influenza... Evitei o confronto iminente, e fui subindo para o altar do granito, onde até poderia assistir ao voo destemido de Santa Marinha, lançando-se nos ares de espada na mão.
Sai dali muita pedra! Muito ali se serra a pedra! E as pedreiras, assim batendo no chão estéril, logo deixadas ao abandono como lagos em crateras já sem fumo.
Conquanto ainda carregadas de pó do mineral serrado. Pobres calças, desgraçadas botas! As folhas secas dos eucaliptos descarregaram nelas a sanha de anos e anos de esterco vindo no vento.
Camiões é o que aquelas curvas de mau parecer mostram aos olhos do passante. Pesados, atulhados, prontos a esmigalhar. A Portela não tem par aqui na nossa terra. Fui descendo, já cansado, mas um pouco de olho no que ainda falta derribar.
A freguesia vem serra abaixo. A meio pano, o seu centro. Comércio, indústria? - não há. Serviços? - também não, exceptuando o cangalheiro, um ou dois cafés e um restaurante cheio de nome, desses onde se paga muitíssimo e come pouquíssimo, apenas desenhos caprichados no fundo dos pratos, e florzinhas de permeio. Mas a igreja paroquial é simpática, acolhedora,
e esplêndidas as suas vistas sobre o vale que se estende até aos limites da cidade, sede do concelho.
Um vale enganador, mais adiante uma república fabriqueira. Sem prejudicar, todavia, esta pacata localidade em cujos cimos o mundo vai ruindo e, nos fundos, se mantem uma actividade inocente, cavadora ou pastorenta.
Para estas bandas, a ter de mudar o ninho, eu pousaria aqui. Longe dos topos serranos, mais pela alma da freguesia, descaindo, descaindo, até me chegar ao ribeiro (digo, à nascente do rio Pelhe, o Tagus famalicense), e aos prados. Isto hoje, que amanhã nem Deus sabe...