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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Portela (Santa Marinha)

João-Afonso Machado, 18.01.21

Com Portugal sob ordem de prisão domiciliária, lá me aventurei até à Portela, a última freguesia famalicense a norte, antes do concelho de Braga. Terras elevadas, povoadas de pedreiras entre eucaliptais, e, na fronteira com Escudeiros, já da cidade do Senhor Arcebispo Primaz, dois canhões, um voltado contra o outro, e a respectiva tropa de Artilharia, fardada de cinzento com capacetes metálicos, os muares de puxar as peças atados ao arvoredo, tudo como no tempo da influenza... Evitei o confronto iminente, e fui subindo para o altar do granito, onde até poderia assistir ao voo destemido de Santa Marinha, lançando-se nos ares de espada na mão.

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Sai dali muita pedra! Muito ali se serra a pedra! E as pedreiras, assim batendo no chão estéril, logo deixadas ao abandono como lagos em crateras já sem fumo.

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Conquanto ainda carregadas de pó do mineral serrado. Pobres calças, desgraçadas botas! As folhas secas dos eucaliptos descarregaram nelas a sanha de anos e anos de esterco vindo no vento.

Camiões é o que aquelas curvas de mau parecer mostram aos olhos do passante. Pesados, atulhados, prontos a esmigalhar. A Portela não tem par aqui na nossa terra. Fui descendo, já cansado, mas um pouco de olho no que ainda falta derribar.

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A freguesia vem serra abaixo. A meio pano, o seu centro. Comércio, indústria? - não há. Serviços? - também não, exceptuando o cangalheiro, um ou dois cafés e um restaurante cheio de nome, desses onde se paga muitíssimo e come pouquíssimo, apenas desenhos caprichados no fundo dos pratos, e florzinhas de permeio. Mas a igreja paroquial é simpática, acolhedora,

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e esplêndidas as suas vistas sobre o vale que se estende até aos limites da cidade, sede do concelho.

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Um vale enganador, mais adiante uma república fabriqueira. Sem prejudicar, todavia, esta pacata localidade em cujos cimos o mundo vai ruindo e, nos fundos, se mantem uma actividade inocente, cavadora ou pastorenta.

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Para estas bandas, a ter de mudar o ninho, eu pousaria aqui. Longe dos topos serranos, mais pela alma da freguesia, descaindo, descaindo, até me chegar ao ribeiro (digo, à nascente do rio Pelhe, o Tagus famalicense), e aos prados. Isto hoje, que amanhã nem Deus sabe...