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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Paisagem quase lunar

João-Afonso Machado, 20.01.21

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Lá longe, num fundo, o lugar estranho de quase um cárcere gigantesco. Um ghetto - pensei - aparentemente sem voltas de arame farpado, nem holofotes ou vigias de soldados armados. Como também não ouvi o latir dos cães-polícia, - avanço ou não avanço? E a interrogação demorou-se-me largos minutos, até que me levantei e segui em frente. Afinal, eu era um veterano de Moscavide...

Foi o tempo de descer o vale - agora prevenido com um cantil - e esquecer o calor que se sobrepunha, indiferente, ao negrume das nuvens. E, dando entrada naquela conventualidade, engoliram-me as ruas e avenidas multiplicando-se entre edificações mais altas ou mais baixas. Por paradoxo, todas diferentes e todas iguais, uma mescla de roupas a secar nas varandas e antenas parabólicas - satélites prestes a serem fogueteados para o cosmos, pensei.

Estranha gente! Ninguém conhecendo alguém, estabelecimentos comerciais obedientes ao verbo aviar, e o que fosse vizinhança um significado impróprio. Deprimente sensação! Era o normativo das gaiolas, os transeuntes canários de folga oferecida por gatos inexistentes... E mais os atropelos do que as palavras. Mas anotei transportes públicos, topei o silêncio do passe social exibido. Sobre o todo, o cheiro intenso do anonimato. Morbidamente imaginei o que seria - como seria - morrer nestas andanças.

Cidade? Vila? Urbe sem nome? Nem cheguei a apurar, tal a percepção de que qualquer averiguação seria em resposta grunhida imperceptivelmente. 

Nem mesmo a velhinha disposta a atravessar a passadeira aceitou o meu auxílio... Enfim descobrira o mundo do cada um por si. Carnalmente, espiritualmente... Escusado seria perguntar onde tocaria o sino da igreja - igrejas havia-as muitas, com nomes imaginativos de seitas várias, nos rés-do-chão dos prédios.

Por tudo, debandei. Para sul, só por curiosidade, para lugares meus conhecidos de gente de vilórias, localidades onde todos sabem quem são todos.

Ali... foi uma experiência. Um homem há de ir do alto das serras ao baixo da desumanidade, circulando etereamente entre os autómatos. E depois vir e contar ao que assistiu.