Antes de mais, o meu pedido de desculpa porque mexi num desenho que não é meu: reduzi-lhe as dimensões e acrescentei sépia, apenas por assim melhor me sair com os meus dizeres. Fique, então, a noção precisa de que esta é a primeira ilustração não da minha autoria que entra no FUGAS DO MEU TINTEIRO. Apenas porque ele revela uma face lindíssima de alguém despreocupada com toillettes, muito bela. Antes de começar, sempre explico, este é um desafio da Ana de Deus em post cujo link sugeriram aqui deixásse também (https://anadedeus.blogs.sapo.pt/).
Deste modo:
«Não é de todos os dias um nariz assim, tão divinamente proporcionado. Sem de mais e sem de menos, nem por sombras adunco, nunca comprido em excesso ou curtinho, amedrontado, E por isso os olhares no autocarro nele convergiam, uma multidão a espreitá-lo na simplicidade com que a sua dona se agarrava em pé a um varão qualquer. Quase obrigando os passageiros a darem-lhe um lugar sentado, a essa jovem ignota, vista mais de perto senhora ainda de um olhar enorme, como ovos azulados, pestanudo, que deixava para lá as obsessões das damas com o tamanho das sobrancelhas.
Iria no seu dia-a-dia, o cabelo caía-lhe no pescoço despretensiosamente. Castanho, sem tinta, ainda e sempre despretensiosamente. E as faces, sem "auxiliares" de juventude, mantinham a maciez, uma pele limpa, nem excessivamente queimada do sol, nem leitosa como nunca apetece. Simplesmente a sua pele esplendia naturalidade, limpinha como um godo nas águas correntes. O mais vinha por aí baixo ao mesmo ritmo chamativo.
Porque a sua boca era perfeita e continuava sem acessórios. Quem a visse movimentá-la, em dizeres simpáticos e lhanos, notaria os dentes, alvos e certeiros, marfim imaculado com nada que repelisse os interlocutores. E depois o queixo, com uma covinha carinhosa, um todo em que tudo era equilíbrio até ao pescoço, bem erguido, alto, sem que alguém se lembrasse de falar em girafas...
O conjunto era notável. Uma viagem, dessas longas, no autocarro, proporcionaria sofismada discussão de um observador consigo mesmo. Entre a testa, a configuração da cabeça, o nariz, a boca e os olhos, vivia o equilíbrio dos céus. E de atarracada, nada, bem suportada sobre os seus ombros vergados à beleza das suas feições.
Os homens não apreciam especialmente as bochechudas, que era o que ela também não era. Apetecia perguntar sobre a sua dieta, mas topava-se, a sua figura negligé - no capítulo dos penteados, desde logo, - corresponderia à sua normal atitude perante a vida. Aliada a uma inexistente exuberância, que lhe acrescentava mistério e a tal vontade de lhe oferecer um lugar sentado. Num vago menear da mão arrumou um resto de madeixa em orelha linda, digna de ser vista e admirada. Sem brincos, só a orelha (e a outra, sua irmã), um sorriso o mais simples a um dito de alguém, a carteira ao ombro e uma vestimenta a pautar-se pelo despercebido. Nem de outro modo teria de ser.
A sua imagem ficou-me, aquando do meu desgosto ao vê-la descer do autocarro. A cidade é demasiado grande... Haverá outro dia?
Haverá outro dia para aquela boca tão singela quão sensual? Para um queixo de futura (sim, presente não seria...) boa mãe. Para tão saudáveis feições, onde todas as medidas de peso e tamanho ocupavam o lugar da mais perfeita estátua do classicismo antigo?
Nos meus escassos assomos de fé na reencarnação, acredito-me com a sua idade, frente a frente numa qualquer esplanada. Tudo correria bem: e os meus dedos deslizariam, escorregariam entre os meandros da sua face, prometendo-lhe - ainda novo - o mundo inteiro do ser feliz só para nós os dois.»
Dixit.