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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

A sardinha à Portuguesa

João-Afonso Machado, 26.05.21

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Não há peixe mais português! Nem o velho bacalhau, pescado no friorento Mar do Norte e trazido para salgar, previlégio culinário nosso.

Mas com a sardinha tudo é diferente. Dos tempos idos ficou a moda da sua gordura, dela toda, em cima de uma fatia de broa, moda uma bocado sem jeito de a papar, dadas as cautelas com que hoje guardamos as unhas, o seu aroma, os abraços e os beijos às namoradas.

Ouvi dizer por aí, os óleos da sardinha são benéficos à saúde. Acredito. Mal fora, um peixe com quase mil anos de história portuguesa afinal nos maltratasse as entranhas. Porque o seu paladar é todo o memorial das nossas alegrias.

Apanhá-la... somente entre agora e o Verão, dizem-na a falhar no volume dos cardumes. Disso sei pouco, embora me pareça, a nossa costa está a saque... Sei, contudo, a alegria das redes quando a sardinha rabeia lá dentro, e os Santos Populares cavalgam para nós, no bordo das alegrias finais da Primavera.

Serão boas semanas. Assardinhadas quase todos os dias, regadas de pinga a condizer. Uma época festiva, a alegria nos restaurantes - Hoje há sardinha!

Aqui na Portuguesa é assim. Eu conheço os pormenores... O Sr. Martinho, madrugando, ainda o sol se espreguiça, já vai a caminho da lota de Matosinhos, apreça, discute, compra e traz. Pelo almoço, sem se dar por nada, as travessas chegam à mesa. Um regalo!

Somos o que somos e não havemos de esquecer aquele brilho azulado e esbranquiçado desta nossa menina, a rechinar na grelha, embrulhada em pimentos, num andor de batata cozida. Vão escamas, vai tudo! Da sardinha ficam a cabeça, a barbatana caudal e a espinha dorsal no fim do prato. O resto é o nosso ser de muitos séculos. Uma tradição. Em minha casa, do outro lado da rua, assada com todas as honras que lhe são devidas, por quem há muito lida com o peixe fresco - a Portuguesa!

(Os meses cavalgam. Antes que sobrevenha o aroma das rabanadas, é aproveitá-la, velha sardinha, petisco cá da gente, quase um brasão nacional.)