Momentos raros, imperdíveis
Voltei à leitura de António Santos Graça (1882-1956), o autodidacta empregado de balcão, talvez o maior estudioso e conhecedor das gentes poveiras de antanho. Chama-se o livro Epopeia dos Humildes e todo ele é uma compilação de angústias da comunidade piscatória e dos feitos dos seus heróis, os mestres (lobos do mar, pescadores lanchões, Homens de Respeito da Classe) salva-vidas, arrais de embarcações - lanchas - movidas a dezasseis remos sempre atentos à frequência dos dramas ocorridos na passagem da barra.
O "Tio" isto, o "Tio" aquilo. Acima de todos, a figura gigante do Cego do Maio, a quem El-Rei D. Luís condecorou com a Torre Espada, tantas as proezas desse que foi o maior expoente das temeridades salvadoras.
Os pescadores desses tempos viviam nos bairros a sul da então vila. E a pesca era para eles viver, por ser o seu sustento... - e morrer na braveza das águas. Ou sobreviver, logrando os salva-vidas roubá-los às vagas, às correntes e às penedias.
O livro é bem o sentir de quem presenciou assiduamente o terror e a impotência nos areais, a invencíveis dezenas de metros da desgraça de quem o mar tragava diante dos olhos dos próprios familiares.
Hoje não será assim, pertencem ao passado os remos e as velas, mesmo a escuridão das noites de tempestade. Hoje... outros furacões invadem a Póvoa de Varzim, furacões estivais levando de roldão todo o bom gosto, toda a serenidade. A pesca motorizou-se, a baía foi construída e, por vezes, o sol, antes de adormecer no horizonte, presenteia-nos com memórias e histórias na silente quietude da sua generosidade.