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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

O acaso de um certo livro

João-Afonso Machado, 15.07.21

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Ao ler o Instituto de Antropologia do meu patrício Jorge Reis-Sá, fiquei a conhecer toda a sua poesia anterior a 2014. Com gosto, diga-se já. E com estranhas memórias emergindo de anos imensamente distantes.

Foi seu Pai meu professor de Português em pleno período revolucionário. É certo, patenteou, então, alguma ingenuidade didáctica: eram tempos difíceis para quem ensinava - e pretendia levar a sério o Ensino - e de grandes reivindicações para os que se pretendia aprendessem. Mas as revoluções apontam sempre para uma aprendizagem empírica, casuística e volátil, assaz exaltada. A maciça História da Literatura Portuguesa, por grandes que fossem os pergaminhos democráticos dos seus autores António José Saraiva e Óscar Lopes, não se coadunava com as tentações panfletárias dos estudantes e as suas tardes de bilhar, em que politicavam e fumavam ostensivos cigarros sem filtro.

Enfim, fui apanhado a copiar num teste e, mais do que por mim, o drama foi vivido pelo professor. Anular a prova - eis algo que ficara para trás, sepulto com o fascismo. (Mais a mais, eu folheava, sob o tampo da carteira, em busca de uma dica qualquer, essa volumosa História da Literatura, sem arte, sem perícia, sem premeditação...) Que fazer? Muito ponderou o bem intencionado professor, até se decidir por uma positivazinha e um sermão prolongado, na presença da turma toda.

Creio nos finais do transacto milénio, um cancro voraz levou precocemente o meu professor. Que reencontrei agora, na poesia do seu Filho:

«Lembro os sonhos que tinha sem sono, aqueles que espero/quando fecho os olhos todas as noites. E digo que te sonho,/pai.Que leio quem te ofereça o maior sentido/- a presença inteira nas letras de um poema».

Há linearidade e genuinidade dos sentimentos. Há uma forma nova de escrever que cativa. E saudade, fidelidade, sempre serenidade. Jorge Reis-Sá utiliza pouco as maiúsculas, adivinha-se que escreve ao ritmo em que vive as suas emoções.

E depois... «Vou para casa esquecer que parti», ainda diz ele, a porta da rua fechando sem qualquer estrondo. Com o seu Instituto de Antropologia poisado na mesinha de cabeceira...