Breve volta na Serra da Estrela
Trago aquelas assustadoras formas comigo desde os meus 12 anos. E, reforçadamente, depois de ter encavalitado no nariz da bruxa, eram eles criancinhas, os meus dois filhos, num passeio de outras vidas. Eis porque não podia deixar a romagem de lado, a S. Romão, subindo ingremes caminhos de monte na Senhora do Desterro. Muito pó, mais arquejo ainda, e, por fim, a famosa Cabeça da Velha!
Assim fiquei, perante as suas feições eternamente de cadáver por morrer, um bom pedaço de tempo, contemplativo, rebobinando os meus dias, precisando memórias. E depois fomos. Supondo que a Serra da Estrela se trepa a eito, esperava-nos a aldeia portuguesa dita a mais alta - o Sabugueiro, 1200 metros acima do nível do mar. Os estabelecimentos para os turistas encontraram ali o seu máximo vigor. Há de tudo: peles, samarras, meias e gorros e luvas, aguardentes, licores e queijos, souvenirs diversos e cachorros da raça local.
Uma barbaridade! (Quantas vezes uma vigarice...) Mais decente e tranquilizador, o campo onde repousam os serranos para sempre contemplando as altitudes onde pastorearam e se enrijeceram entre os nevões todos das suas existências.
Prosseguimos esta etapa-rainha da nossa volta. A uma cota assaz mais elevada, já mesmo roçando o sol, a barragem do Vale do Rossim, que eu deixei, ainda estudante, em estado de quase virgindade, com duas ou três casas pré-fabricadas nas imediações. Vão lá vê-la agora, essa beldade falante como se na Côte d'Azur!...
Ali se navega, se mergulha e se nada ou enala o bronzeado-opiácio nos seus areais. Também se bebe um vinho qualquer, a acompanhar umas fatias de pão entalando um queijo sofrível. Tudo ao som de uma música da pior nota, como nas estridências dos arraiais.
A Estrela está num dos seus picos, nem de longe dos mais elevados. (Há-os a furar mesmo o sol...) Com um derradeiro adeus ao paredão da barragem, partimos. A corrida prosseguirá, pois.
Havemos, no entanto, de descer um pouco, com passagem pela praia fluvial da ribeira da Caniça, na Lapa dos Dinheiros.
Aliás, de bandeira azul. Água cristalina, fundo pedregoso, espaço respirável. Esteve quase o mergulho, mas indo a tarde já a meio, a meta seguinte implicava um motor com força bastante e tempo para pedalar. Era a Lagoa Comprida.
E nela se faziam sentir os efeitos do estio. A muralha corrida de ponta a ponta, os fundo à vista, em tantos pontos, quieta e calada, anda pouco por ali o turismo. Mais permanecem os vales glaciares formados na Idade dos Gêlo, dou comigo na torreira de agora imaginando mamutes portugueses
cavados naqueles antigos congeladores, esquartejados, levados ao micro-ondas, suculentos nacos de carne... Muito ao longe, caminhando para cá, uma sinfonia de badalos em crescente: o o rebalho de cabras, dezenas e dezenas delas, chega enfim, guardam-no cinco cães e um pastor, homem de pouca falas.
Um bocado adiante, o ponto mais alto da Estrela, a Torre. O cerne dos desportos de inverno, nesta época, um teleférico parado, triste e esquecido, a acesa impressão de uma feira já finda, com pedaços de diversão abandonados.
A visão do descomunal Cântaro Magro, depois, indicava já o início da descida.
Seguiríamos pelas Penhas de Saúde, já cansados, mesmo esfomeados.
O destino, essa noite, era a Covilhã. Mas só o mapa do concelho de Seia (onde tínhamos passado o dia), revela muito, muitíssimo mais a andar...