Essa noite em Sófia carregou-se de beleza e movimento, fez-se inesquecível. Parecia, à chegada, uma noite escura e calada, perdida entre prédios sujos e suspeitos; uma noite trilhando carreiros entre arbustos, de muita terra e pedra solta, luz quase nenhuma e semi-desfeitas bandeiras búlgaras nas janelas de um ou outro edifício. O primeiro restaurante recusou-nos o jantar, eram já desoras. Guiados por Kalina, a amiga do meu filho, alcançámos um segundo, amplo e acolhedor, sonoramente em festa.
Kalina é uma jovem nada em Sófia, guardando consigo o que há de mais bonito e atraente. Em casa dela pernoitámos, e foi ela a nossa guia enquanto na capital búlgara. Kalina podia ser minha filha, e é na maior dedicação de um pai velhote que tudo narro do que se foi passando.
Tratava-se de uma noite de grande comemoração no restaurante. Essa garota, gorduchita e loirinha, muito activa no bailarico, festejava, de uma penada só, o seu aniversário, o casamento que estava quase aí e o bebé também já a caminho.
No centro de uma das salas da casa, a cantora, - mais madura - os tocadores de orgão e de instrumentos de sopro. - O que é isto? - E Kalina apressou-se a explicar, era o folclore deles, dito o "horo".
Concentrei-me nas dançarinas. Em roda, de mãos dadas, acompanhavam graciosamente uma música suave de voz firme e serena, tudo decerto com berço mais a oriente, lá para as bandas da Turquia. Não, não eram possíveis quaisquer comparações com os nossos viras e malhões...
Ali não pontificava a exuberância, o garrido, o sôfrego movimentar do corpo e das cordas vocais. Mais o coleante serpentear do grupo que, aliás, ia crescendo.
Das mesas vizinhas chegava gente, a criançada também queria participar. Pares de sapatos ficavam a uma canto, que tacões altos não ajudam.... Ouviam-se palmas e incentivos. E sempre melodiosamente, num ritmo que se empolgava, as dançarinas dançavam, o restaurante inteiro comia do espectáculo, e muitos (mais eu) disparavam em fotografias.
Ocorreu-me a ausência da balalaica. Já alguns homens se erguiam também e entravam na dança...
Era total a sintonia dos gestos, o seu enlevo. A menina dos anos, incansável. E até a mim, tão desajeitado, apeteceu dar um pezinho no salsifré.
Eis, porém, que cercada por excelentes batatinhas assadas, muito bem condimentadas, chegou finalmente à mesa a truta que eu escolhera, gorda, de carne rija, alvíssima, sem espinhas. Não a truta dos nossos rios, um outro qualquer salmonídeo dos Balcãs, benza-o o Senhor. O meu filho e a amiga escolheram já não sei que prato regional, onde ainda petisquei uns bons legumes estufados. O pior foi, sem dúvida, o vinho branco indígena, compensado por um copazio de cerveja a rematar.
A viagem, com escala em Genebra, cansara. Os ossos pediam repouso. E essas escapatórias entre prédios que ainda não substituiram as cortinas de ferro foram o nosso regresso e a proximidade do condizente Trabant,
emergindo do breu, uma relíquia dos tempos em que na Bulgária era obrigatório recolher muito, muito cedo.