À boleia
Extraordinárias, as estradas nortenhas! Por mais que me fique bem dizer mal, hei de reconhecer - onde manda o granito, submete-se a poeira. E isto de correr o mundo à conta da boa vontade dos outros tem muita secura de garganta que se lhe diga... Enfim, na América, de onde chegam esses novos ventos, tudo seria mais complicado...
Assim vou falando comigo mesmo. As montanhas nas minhas costas e a berma da estrada, à saída da terreola, com o meu braço esticado sobre ela. A uma distância razoável, ainda contornando a antiga muralha, um descapotável, vagarosamente, apostaria ter-me visto e já se dispor aos seus préstimos.
Ajeitei a boina negra na cabeça (tanto ouço em casa por causa do cabelo que me trepa as orelhas...) e a gola do camisolão. Apercebi-me, espantado, apesar da frescura da aragem, o condutor (os tectos - o dele e o da máquina - destelhados) já não era, exactamente, um menino pequeno. Por baixo, classifiquei-o na faixa dos sessenta...
E acertei no prognóstico. O homem parou e perguntou para onde ia eu. Era um Peugeot 203 Cabrio, raro de se ver (quanto mais neste mundo perdido), uma quase novidade da marca, carro de lazer e de algumas proezas velocistas. Respondi-lhe, seguia para onde o destino me levasse, e o velho sorriu apenas e acenou um "sim" com a cabeça. Depois percebi porquê.
Passava as suas temporadas em Paris onde, antes de a Lisboa, tinham chegado as rebeldias do movimento beat. E era um beatnick português que ele logo topara à boleia. Não a podia negar. Assim se foi explicando. Atónito, ouvia e apreciava a paisagem única da Peneda, a frondosidade do Gerês para cuja Vila seguíamos. Ele sempre sem cabelo, sem chapéu e sem capota. E eu de gorra até ao pescoço, a bater o dente.
Quando, finalmente, parou, com o ar divertido de um veterano em travessias dos Pirinéus, sai e agradeci-lhe o seu - Bon voyage! - que sem dúvida valia por um - Tem juízo rapaz!