Pacotinhos de ruído
«Por cima as gaivotas grasnavam impropérios contra o cagaçal dos homens» assim escreveu José Manuel Palma no seu romance histórico Balada do Remexido, tocada esta nos idos da Guerra Civil, e nos prédios da gente de agora também. Foi o que me ocorreu, na minha predilecção por estas aves que são apenas o que são, cada vez mais intemeratas a distanciarem-se do Litoral. Cá para as minhas bandas, as gaivotas trazem sempre consigo o tumulto inquietante das ondas na invernia.
Gosto do seu voo. As lixeiras onde vão almoçar, quem lhes põe a mesa somos nós. De resto, as gaivotas são pontos esbranquiçados flanando o azul, ou estonteantes velocidades na cinzenta ventania tempestuosa. Dizem coisas roucas na borda dos lagos dos jardins públicos. Correm esticadinhas a bicar as pombas que lhes disputam as migalhas mas, como vizinhas, já conheci muito maior sopeiragem. Essa mesma, a do «cagaçal dos homens». O sururu no verde da praceta, ou as teorias da paz depenadas em práticas de beligerância. Tudo é causalidade e a agitação das gaivotas advém sempre do nosso desconcerto. Sejamos, ao menos, conscientes...
(«Passa um chá de caridade pelo ar/a ver que asilo há-de ajudar/e a D. Pepa espanhola quase nua/que não passa de moda mas muda de rua.
Passa D. Alda de Carvalho e Castro/Tudela da Fonseca (ó respiração!)/Lopes e Silva e ainda Bastos/entre-parênteses Bramão.
Passa depressa ó João» - Cortejo, de Alexandre O'Neill).