Desafio 52 semanas -15|Esse falhado amor
Tenho de escrever baixinho, que ela anda por aí em facebooks e quejandos e ainda me bate à porta de vassoura em riste. Ou talvez não. Talvez tudo se lhe tenha varrido da cabeça... Mas em mim esses dias, essa noite, ficarão sempre como um marco das minhas lides amorosas. Um marco, vou avisando, de sinal dolorosamente negativo.
A praia antiga principiava em Julho e arrastava-se quase até finais de Setembro. De longe o melhor mês. Porque o mar e o areal eram todos nossos, a multidão escoara e a nortada fizera também as malas; os dias proporcionavam pores-do-sol belíssimos a que assistíamos em bando, como os indios brasileiros de antes do Cabral. Os pais tinham ido entrementes, levados para os seus afazeres de adultos, mas havia sempre uns tios reformados que nos acolhiam sem exigências de horários, reclamando tão-só não os chateássemos.
Bicicletas, pesca..., e o gira-discos portátil e os singles e LP's de casa em casa para uns serões em slow. Roupa, quase nenhuma, apenas a que coubesse na mochila.
Nos meus quinze anos assim conheci a loirinha lisboeta, essa época balnear medalhada com a grã-cruz feminina da formosura. E, como em qualquer Setembro das canções românticas francesas, apaixonei-me, dei comigo incapaz de pensar em algo senão nela.
Mas a aproximação era difícil e o meu parlapié deixava muito a desejar. A princesa, do alto da sua magnificência, nem olhava cá para baixo e, constava, escolhera já o seu princípe.
Ora, ao sabê-lo, fiquei irritadíssimo. E mesmo temeroso de "levar com os pés" jurei não iria embora da praia sem chegar à fala com ela. Setembro caminhava sempre, impunha já uma camisola depois do jantar.
Pois foi assim. A noite, por acaso, decorria em sua casa, eramos uns tantos e eu, nervosissímo, fumava à janela Portugueses Suaves (sem filtro) uns acesos nos outros. Até topar que as despedidas iam sendo feitas. Então aproximei-me sorrateiramente da pequena e só lhe perguntei se queria namorar comigo...
Que ia pensar... Ia pensar e depois me diria. Desandei para casa no maior alvoroço, não preguei olho a noite toda, sem perceber que aquela fora a maneira de não vir de lá uma brutal ordem de marcha.
De tal modo, a manhã seguinte, incapaz de esperar mais, bati-lhe à porta a saber as novidades. Haveria já fumo branco?
O "não!" foi rotundo e impaciente. Acontecera-me somente o fim do mundo! Ou da praia, se preferirem. Enchi a mochila, peguei na velha pasteleira chiadora e dei às pernas os 30 km que me separavam dos meus quarteis. Mesmo a tempo da vindima e do corte do milho para o gado...
(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)