Desafio 52 semanas -18|Um diário a não ler
Já não recordo a que horas adormeci, intervalando a leitura com lascas televisivas. Agora a manhã vai adiantada, eu ainda na cama a esfregar gelo no joelho, encarando de mau humor as tarefas gigantescas que tenho pela frente: tomar banho, o pequeno-almoço... Entretanto, toca a campainha da rua, é a minha cuidadora - Dona Mécia, a parceira de um dia inteiro enfiado na toca.
(Recordo aviões e navios, planos frustrados de baleias açoreanas, o queijo das ilhas e a minha máquina fotográfica sob o véu inapetecido das teias de aranha...)
Assim decorrerão as horas todas. As canadianas emprestadas substituiram com vantagem a bengala e sobra tempo para uns trabalhos escritos encomendados e, por vezes, maçadores. O sol é uma bola lá fora e o meu intimo encolhe mais negro do que a mais feia invernia.
Evito pensar no que se seguirá. O telefone toca com frequência, os amigos apercebem-se do tremendo significado da reclusão. Dona Mécia, indo a tarde para a noite, despede-se e sai manifestamente contrariada. Uma bucha ligeira e o repouso estendido na cama, a desbobinar memórias. Em frente ao meu refúgio há uma horta e eu agradeço aos melros a serenata que, do alto do seu diospireiro, me dedicam...
(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)