Souselas
A menina Delgado, descendo a rampa da estação, atravessava o Largo da Igreja e percorria a rua principal até sua casa, no outro extremo da aldeia. Vinha do emprego em Coimbra, irradiando as suas hot pants muito no cimo das longas e bem lançadas pernas, sempre em ligeirinho andar. Souselas espreitava-a, algo sedenta, por trás das cortinas silenciosas. Ainda não eram as vésperas da Revolução de Abril.
O Centro Desportivo Recreativo Popular de Souselas militava na II Divisão do distrito conimbricense e equipava à Sporting. O seu ponta-de-lança, alto e desenvolto, de vasta cabeleira, era o Mário, irmão da menina Delgado. O Yazalde, mas com o inoportuno senão de não acertar uma, nem uma, bola.
Jogava-se muito os matraquihos e exagerava-se nos cálices de ginginha, a crua realidade dos canivetes e das telefonias prometidos nos mostruários dos "furos". Aos fins de semana havia teatro ou cinema ou mesmo baile no Grupo Desportivo Recreativo Popular de Souselas. Os galãs locais aperaltavam-se: o Raul evidenciava os bíceps; o Heitor enfiava a calça de bombazine castanha, o pull over amarelo e as meias a condizer, mais o pente no bolso traseiro, sempre com a poupa em manutenção. Para os netos do Senhor Eng. - para nós - a entrada era gratuita.
Mas as pequenas do nosso patamar etário dançavam entre si, à mingua de licença paternal para contracenar com os moços. E o conjunto tocava suspeitíssimas versões do Souvenir of London dos Procol Harum, além do romântico nacional da época. O Mário Delgado, o Raul, o Heitor e os outros fartavam-se de namorar. Connosco não havia o perigo de noitadas exageradas, até porque para amanhã ficara já apalavrada uma incursão no carro de bois do Sr. António até Brasfemes.
Eram assim os Setembros da II República. Assim e com o rio Botão ainda limpinho, cheio de peixe.