À boleia
Diziam de um tio meu, já velhinho, fizera a licenciatura em Coimbra com um lápis apenas, roído até ao uso de pinças. Poupadinho, poupadinho, poupadinho. Mas não consta viajasse ele senão de comboio... Como não era o caso deste seu sobrinho, sempre tentando no transporte umas migalhas para o gozo da brincadeira académica. Isso significava fatalmente a boleia.
O mesmo eram horas tortuosas de espera... Um carro agora, outro quando calhasse... Lembro perfeitamente a antevéspera dessa definitiva frequência, o adeus dos Pais tão confiantes e as cores da minha gravata fininha, a gravata oferecida para usar no grande dia - porque, era inquestionável, regressaria em triunfo e com o canudo.
Apanhei a carreira, sim, mas depois fiz-me à estrada. Atravessei a ponte D. Luís e, já em Gaia, poisei a trouxa e estiquei o dedo ao trânsito. Calhou-me a sorte de um Simca Aronde, bicho modernaço até no seu azul-bebé. Conduzido por um cavalheiro de poucas falas e pouca paciência nas rolhas de S. João da Madeira, Oliveira de Azemeis, Águeda... Aproveitando para rugir a sua cilindrada e boa cavalagem no que fossem as rectas empedradas do percurso. Uma viagem tranquila em carro de gente medianamente arrumada e, cá para mim, com filhos a estudar também.
Assim Coimbra chegou afinal. No meu bolso com mais algumas moedas precavendo a desbunda após o previsivel sucesso na minha frequência decisória. O que tudo me valeu depois a monumental reprimenda dos Pais, três dias volvidos, quando souberam pela Polícia do meu paradeiro.