É uma cidade no concelho do Seixal. Uma vila, durante breve estação. E uma freguesia durante séculos de pousio das populações, dos moleiros e da vida piscatória. Era ainda apenas freguesia, logrou a proeza de se alcandorar à I Divisão Nacional futebolística. O Amora Futebol Clube! Não havia precedentes nessa façanha e assim a terreóla entrou no mapa dos meus conhecimentos.
Por essa altura, e por mero acaso, li um edital num jornal qualquer um assunto macabro: notificavam-se os familiares de umas vastas dezenas de defuntos para removerem as suas ossadas do cemitério de Amora, sob pena de as mesmas serem encaminhadas para a vala comum. Os nomes dos extintos, a modo que guineenses, indiciavam o fim da primeira geração dos retornados (refugiados?) das nossas ex-províncias ultramarinas...
Logo vislumbrei um mundo zombie, repleto de anonimato. Mas era um rapaz novo, com voos apontados a outras paragens. Pus o pé na Amora somente há dois anos. No Verão, para jantar um peixito.
Agora voltei. No intuito de conhecer o que de antemão perspectivara. Uma aldeia num foguete transfigurada em outra cidade satélite. Urgia galgar as torres e alcançar os bocados carcomidos do seu berço.
Lá mais acima a vista é animadora. Mais a mais na maré baixa do Tejo e da baía que se entretém a baralhar-nos no posicionamento das localidades. Chegar ao rio é um instante, almoçar junto do cais uma delícia se não for uma dominguice pesada de famílias e criancinhas chorosas, valendo-se apenas de polvo à lagareira.
E depois o passeio.
A Sociedade Filarmónica Operária de Amora (o operariado ainda é tema aqui...) ignoro como se organizou num magnífico edifício junto à baía. Como ignoro o que faz ou tenciona fazer no que me palpita já ter sido apenas o cinema local. Ante ela uma rampa que decerto findaria nos primórdios da freguesia que eu buscava.
Mas a maré vaza podia fugir. Por isso não deixei as águas para trás e o que a sua ausência põe ao léu, o mundo antigo de que sobram algumas carcassas,
mesmo em plena decomposição, ossadas, o tema inicial de Amora.
E as aves, sempre as aves, a maior riqueza do Tejo: pilritos, gaivotas,
garças, maçaricos... Quem, daquelas torres periféricas, com gosto de as apreciar?
Iniciada a escalada, após, o vetusto casario de Amora. Os seus "palácios". A roupa secava no exterior não obstante os grossos pingos de chuva. Sempre com a aparência mais natural.
A igreja paroquial pedia meças à da minha aldeia, onde todos conhecem todos e a lavoura é modo de vida... Um velório na casa funerária com cinco participantes cumprindo o seu dever, o que seria feito dos vizinhos?... Nos portais do cemitério, colados, rasgados, os já referidos editais, passaportes definitivos para o breu da História.
Mas uma muito idosa ainda visitava campas decoradas com flores artificiais - as gentes talvez não, mas a humanidade estará por uma geração ou duas mais...