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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Calma! Há para todos

João-Afonso Machado, 30.11.22

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Recebi ontem uns tantos. Os bastantes. Mas, entretanto, hei de arejar o espírito por uns tempos, uma espécie de estágio antes dos oitavos-de-final da bola mundial. Sobretudo para fechar este ano de pé-cochinho.

Já se manifestaram uns tantos interessados. Façam o favor, tirem a senha e aguardem vez. Não utilizem (mesmo tendo o número) o telefone, irremediavelmente avariado nesta altura; enviem mensagem através do FB ou para o endereço machado.ja@sapo.pt.

E para a semana pomos tudo em boa ordem.

Muito obrigado!

 

Camilo, sempre ele

João-Afonso Machado, 29.11.22

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Escorrega-se-nos entre os dedos, a sua história, como uma enguia. O Camilo mais de antigamente, ainda jovem e já desiludido, lamuriento; romântico, pobre, quase desconhecido, recém-chegado, sempre de picardias. Com muita correspondência que lhe vai arrasando quantos mitos! Porque Camilo não guerrilhou na Patuleia; porque sobrevindo o sossego, aumentou-lhe a irrequietude entre o Porto, Braga e Guimarães, deixando por toda a parte poemas lamechas, dedicados a senhoras impressionáveis («Prevejo a hora extrema de morrer.../A campa vem além... na campa o nada.../Um sono sem fim... jamais sofrer.»),  e 1850 é um ano indomesticável, intratável e ubíquo. Como sistematizá-lo?

Camilo no Bom Jesus e nas Caldas de Vizela. Numa roda de amigos que troca entre si poesia como quem joga cartas ao serão. Uma multidão, e alguns dos meus dentro dela.

Vai crescendo a pilha dos livros biográficos e das notas tomadas em folhas e folhas de papel. E o tinteiro já no fim, tantos os riscos em cima de frases ainda não no seu lugar. E as constantes interpelações epistolares de Camilo? A quantas não serei eu a responder, porque os seus contemporâneos a isso se esquivaram?

Que tal contenda se apazigue antes de 2046... Antes do bicentenário de uma Maria da Fonte em que até fingiu Camilo ter assistido ao assassinato do general comandante das tropas de D. Miguel!

Ah! Camilo, Camilo! Reparo agora, esqueci de conferir o ano em que conheceste D. João de Azevedo, esse boémio. Uma peça importante nesta charada. E lá escorrerá mais um bocado de tinta negra na escrita que hei de riscar ou entrelinhar...

 

Desafio 52 semanas - 48|Freio a fundo

João-Afonso Machado, 28.11.22

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Querida Amiga Ana:

Os conselhos dados - só a nós mesmos. Aos outros, é sempre um atrevimento, uma ousadia, a pseudo-sabedoria, com certeza malcriação.

E, por isso, guardo todos os meus doutos pensares aqui para o velhote nascido fadado para a asneira. Porque esta não é a história (fatalmente parcelar) das ditas asneiras nem o caminho é o do aconselhamento que me dou. E eu já antes tinha levantado a pontinha do véu em algumas notas escritas a mim próprio.

Sabe porquê? Porque na escrita, que é a minha vida, quantos mais os compromissos e os prazos, pior o resultado. E, nessa minha vida, além do que ninguém necessita ser aconselhado, falo dum caminho para a arte, tão simples quão complicado: complicado se quisermos publicamente brilhar; simples no recato das nossas horas, sem despertador, somente no vagar de posicionar as palavras no lugar certo.

(O eléctrico desfila nos carris, sem quase ruído, e a gente nem dá pelo historial, por toda a vida que nele viaja...)

Vai daí, a literatura e a solidão são quase irmãs. O mundo é demasiadamente tosco: tão tosco que não raro nem nos deixa entender porque publicamos.

Sendo parte da resposta (que nos damos) um certo exibicionismo nosso a que se há de pôr o freio, não vá ele derribar-nos na sua cavalgança.

Esse freio é bom conselheiro. Ele trava este cavalgante de si mesmo, tendencial cavalgadura.

Um beijinho.

 

(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)

 

Com naturalidade...

João-Afonso Machado, 25.11.22

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A gente já escreve as coisas na agenda para não esquecer. Acontece, porém, esquecermos de consultar a agenda...

A minha para 2023 é forte, dotada de um fecho magnético, e será bem visivel em cima da secretária. Cinzenta e sóbria, ofereceu-ma o proprietário de uma agência funerária local, que fez delas uma resma publicitária a distribuir por quem quer. Brrr... - tremerão alguns.

Era antigamente o cangalheiro. Hoje é um amigo que nos tratou de tudo quando os pais faltaram. E de um modo tão respeitoso e sentido, tão prestimoso, assim entre o desgosto e a perda a cordialidade se transformou em amizade. Em muita conversa de extremos tão distantes como as nossas colecções de miniaturas de automóveis e as minhas disposições de última vontade. Lá no funéreo estabelecimento de onde regresso carregado de blocos sem linhas para a minha escrita diária. Enquanto, em definitivo, não me transformo em hirto cliente seu.

Não há como não lidar familiarmente com o que há de mais certo na nossa vida. E com as pessoas que - é o caso - no maior escrúpulo e cortesia se encarregam de dar o devido arranjo à morte ainda à vista de todos. Assim abrirei tranquilamente a agenda com que o meu amigo me presenteou, essa agenda cinzenta e sóbria com fecho magnético, enquanto o tempo para tal ainda fizer parte do Tempo. Notas que não esquecerei...

Seguidamente, a palavra e o gesto ao dito amigo, já industriado para o restante...

 

O Pote

João-Afonso Machado, 23.11.22

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Foi o Espírito Santo. Foi na sua igreja, o actual Museu do Barroco dos Arcos de Valdevez, que a simpática e bonita funcionária recomendou O Pote para almoçar, e indicou como lá chegar. À Rua Amorim Soares.

Muito bem localizado, tranquilo, nas imediações da Misericórdia, um belo templo barroco. Entrei, sentei - amesendei, como ora se diz - em espaço amplo e decorado com simplicidade. Eis que surge a Jainny, menina brasileira atenciosissíma. A escolha, por sugestão sua, recaiu no pernil de porco fumado. Tenro e saboroso, com quase nada de salgado e acompanhado de esplêndidas batatinhas fritas às rodelas e salada de alface e tomate. Só porque era dia de muito andar e não convinham violências gastronómicas, ainda guloso deste abençoado pernil não pedi mais.

Pedi sim, para experimentar, e bebi um copo do tinto da Adega Cooperativa de Ponte da Barca e dos Arcos de Valdevez, a pinga da casa. Nada mau, 10,5º, fresquinho e destituído de acidez.

Depois tratei com o Sr. Pedro Martins, o prestável e dedicado anfitreão, um leite-creme, desses como só no Minho, encrostado em açucar queimado. O bom amigo acrescentou-lhe um pratinho de castanhas assadas (era S. Martinho) e um cálice do seu licor de limão e aguardente de vinho verde. Uma maravilha que encurta a digestão para alguns dez minutos.

Prossegui a minha vida, depois de efusivamente me despedir do pessoal da casa. E para todos o conselho final: indo aos Arcos vão a um almoço ou jantar n'O Pote.

 

Desafio 52 semanas - 47|Onde poisa o pensamento?

João-Afonso Machado, 21.11.22

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Um cerco (impossível) ao meu pensamento agora! Ao qual só posso responder parafraseando um desses nossos cantautores - Não há Machado que o corte...

É, o Machado não corta, não sabe cortar, o seu pensamento, um vento em fuga por quantas portas e janelas e frinchas afins. O contrário seria a estagnação, a obsessão ou alguma mulher eventualmente desdentada.

Maior é o grande laivo de liberdade. E de imaginação. Do mal num prato, e do bem no outro da balança; da despótica luta entre ambos...

No instante, o meu pensamento ultrapassou a fronteira. Somente... irá o corpo com ele? Estou em crer que sim. E até onde?

O pensamento para, inspira fundo e dá um esticão no cabresto, como quem acorda um burro. É expectativa para não mais de uma semana. A certeza única: de regresso, o pensamento contará até onde realmente chegou.

 

(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)

 

Um novo livro - "Depois"

João-Afonso Machado, 19.11.22

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Mais dia menos dia, sai cá para fora. É poesia. O Depois vem na sequência de O Primeiro Dia do ano anterior. Ambos obedecem a uma ordem cronológica da minha vida, e o comentário que recebi do meu editor resume-se a esse assinalado mundo - que é o meu - onde a percepção dos poemas é de mais ninguém. Eu gosto assim. Porque, quando assim, gozo o gozo de não contar só histórias.

Acresce o que já sempre vou dizendo: falta-me a pachorra para apresentações, uma homenagem que faço aos presentes e pacientes. O editor tratará do resto - pela minha parte, dou notícia do livro e darei, a seu tempo, informações sobre como o adquirir. Aos poucos, decerto raríssimos, interessados Deo gratia. No mais, escrevi o que me apeteceu, tenho essa liberdade. E no passo seguinte deixarei de publicar poesia, é tempo de voltar aos contos, talvez à novela; o romance, deixá-lo-ei para a encarnação seguinte provavelmente.

Os mais detalhes virão adiante, caras amigas e caros amigos. Com o expresso pedido de não se zangarem pela invocação primeira das senhoras, dada a tremenda regra da igualdade de género agora vigente.

 

Arcos de Valdevez

João-Afonso Machado, 16.11.22

Começo com aves. Já quase encostado a Espanha, no coração do Alto Minho, onde a gaivota chegou na prudente quantidade que não a transforma numa praga.

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Apenas, como a garça real, mais uma comensal ribeirinha do Vez, decerto o mais bucólico e atraente rio da provincia.

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Um afluente do Lima. Pimponeando-se no arvoredo das suas margens, a pega rabuda contará o resto do dia.

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A vila dos Arcos de Valdevez, sede concelhia, deixando de lado origens e episódios antiquíssimos, foi o palco do célebre torneio de 1141 em que se confrontaram cavaleiros portucalenses e leoneses, com inquestionável vitória daqueles.

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Assim ficou aberto o corredor para o tratado de Zamora (1143), marcante da Fundação do Reino de Portugal. "Arcos de Valdevez, Onde Portugal se Fez" - é a frase-símbolo local. Mas as margens do rio ainda chamam por nós, chamarão sempre. A montante não haverá barragens nem a obesidade mórbida das albufeiras a matar-lhe a saúde. Aos pés da vila, a ponte antiga

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aponta ao "cruzeiro dos milagres" e ao hotel que é o seu pano de fundo.

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O rio são águas transparentes, ilhas, voltas caprichosas, vegetação e pontões e pontinhas;

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remansos e momentos furiosos; sol que aquece ou frescura que alivia; e muito peixinho, entre trutas e barbos.

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Já a vila dos Arcos se pauta por uma serenidade quase inquietante. No seu alto, entre jardins

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e arruamentos, o mundo deixou-nos em paz

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E, se calhar envergonhada dos prédios e das urbanizações que vão atacando a periferia, presenteia os viajantes com as vistas do barroco da sua igreja da Misericórdia,

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da Casa do Requeixo (agora um hotel de charme)

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ou do ancestral e icónico Paço da Giela.

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É o tempo das cores do Outono. Os Arcos vivem (mais ainda...) a sua quietude.

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Só lá para Março, regressarão as canas de pesca: as tardes sobre as pontes ou nas margens, a conversa fiada, o gozo dos nativos no seu Vez...

 

Desafio 52 semanas - 46|Amores à primeira vista

João-Afonso Machado, 14.11.22

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A minha imperfeição. E a vontade de me aperfeiçoar. Vejo tudo como um segmento de recta (sim, sou apressado, aqui não há lugar a curvilínearidades) entre a chegada e a partida. Ou como um tempo em que errar e voltar atrás dói muito. Olhando retrospectivamente, penso ter sabido  fazer da tristeza e das dores um motor para dias melhores.

É o que em mim gosto. Poderia falar em falhas ou no que - pura especulação - gostarei. Mas já ultrapassei a metade do dito segmento de recta e ainda não mudei de ideias. Há caminho a percorrer ainda; há a realidade do imprevisível; e espero continue a haver este espírito - por um tempo cada vez mais curto, tão curto quanto o presente texto. Mas empreendido a final.

 

(Desafios da Abelha -  https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 13.11.22

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Podem ter sido os lobos. Ou um festim humano. Enfim, pode ter sido a velhice, a doença, o rigor da estiagem...

Mas aquela caveira ovina veio comigo nas minhas ideias. Para não ficar sozinha, longe dos outros restos mortais seus parceiros. Depois de picada e cuspida por algum grifo a voar desde os penhascos.

 

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