Com naturalidade...
A gente já escreve as coisas na agenda para não esquecer. Acontece, porém, esquecermos de consultar a agenda...
A minha para 2023 é forte, dotada de um fecho magnético, e será bem visivel em cima da secretária. Cinzenta e sóbria, ofereceu-ma o proprietário de uma agência funerária local, que fez delas uma resma publicitária a distribuir por quem quer. Brrr... - tremerão alguns.
Era antigamente o cangalheiro. Hoje é um amigo que nos tratou de tudo quando os pais faltaram. E de um modo tão respeitoso e sentido, tão prestimoso, assim entre o desgosto e a perda a cordialidade se transformou em amizade. Em muita conversa de extremos tão distantes como as nossas colecções de miniaturas de automóveis e as minhas disposições de última vontade. Lá no funéreo estabelecimento de onde regresso carregado de blocos sem linhas para a minha escrita diária. Enquanto, em definitivo, não me transformo em hirto cliente seu.
Não há como não lidar familiarmente com o que há de mais certo na nossa vida. E com as pessoas que - é o caso - no maior escrúpulo e cortesia se encarregam de dar o devido arranjo à morte ainda à vista de todos. Assim abrirei tranquilamente a agenda com que o meu amigo me presenteou, essa agenda cinzenta e sóbria com fecho magnético, enquanto o tempo para tal ainda fizer parte do Tempo. Notas que não esquecerei...
Seguidamente, a palavra e o gesto ao dito amigo, já industriado para o restante...