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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Por aí...

João-Afonso Machado, 16.10.21

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Disseram-no ornamento de jardins milionários, contaram histórias antigas e cavalheirescas e gentis damas cavalgaram ginetes de chapéus dourados pelas suas penas. Ficou na memória das gerações pela sua beleza - quão desantentas e pouco imaginativas são as gerações, incapazes de medirem a ameaça felina de um fixo olhar galináceo!

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 11.08.21

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Fatalmente armado, carnivoramente esfomeado... Rondando lugares conhecidos na solidão de um animal velho, em savanas tão distantes da realidade.

Assim a apanhei desprevenida, castanha como uma gazela. Porém ainda criança. Restou-me digerir a insuficiência da vítima. Carnivoro contrariado, armado e inconformado, lá parti coxeando, em busca de uma nova presa, fosse ela as cores todas da passarada num baobá qualquer.

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 20.07.21

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Quando lá chegar, a neve há muito terá ido embora e a vegetação respirará enxuta, após ter mergulhado e nadado no degelo. Restarão urzes e estevais, calhaus soltos. Talvez ainda algum amarelo das giestas, e antevejo cobras e coelhos, águias flanando em círculo. E a gélida limpidez das lagoas.

É sempre assim, onde o mundo é de mais estatura.

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 03.07.21

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Mesmo nas costas do mundo, entre verdes, as intemporais arestas do granito. Como se penduradas nos cedros, em pináculo silencioso a somar o umbricado equilibrio dos séculos. As telhas colados no musgo, elas próprias já viram nascer e morrer muita gente que a cruz da cumeada a todos deitou a sua benção.

E o mutismo prossegue. O arvoredo também, volta e meia visitado por qualquer passarito, por uma brisa. Nada mais. Há ornamentos apenas da alma, não será na velocidade dos olhares que se lhes chega. As heras, como abraços, protegem-nos.

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 21.06.21

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Naveguei águas caladas sem fim nem outros sinais, além dos fundos imensuráveis do destino. Sempre na idealização dos monstros amansados no frio, um modo de dizer negrura, o resultado de qualquer imprevisto.

Conheci lugares de silêncio e almas ribeirinhas no seu eterno repouso. E gente ausente, um absolvido resguardo fisico.

Afoguei em abetos. Num mundo de peles contra o gelo, escudos de madeira chapeada, com muitas barbas brancas e metal cornudo nas cabeças, machados na mão, de olhar hostil. Mas sobrevivi, certamente por não ser diferente, um machado como se impõe brilha na distância do tempo inteiro.

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 12.06.21

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Estou onde não sou. Sei saber não saber onde sou. Mas já não sei se estou. Estarei. Há um longo apeadeiro de permeio entre corpos decerto impenetráveis.

Essa a certeza, a única, chamada dúvida. Além dos pontos de interrogação, persiste a vontade enorme de algo que não será.

Impossível fugir. Manda a alma, cumpra-se o destino.

(Cheguei de outrora. Só ainda não consigo contar os anos restantes...)

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 03.05.21

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Entre videiras prenhas, como um cão abandonado, os restos mortais do granito e alguns ossitos seus segurando cacos de telhas. Apenas a porta do jazigo era sumptuosa, em chapa de zinco. 

Ouvi-a ranger, só poderia ser um fantasma. Fugi. Talvez regressasse com cereal de viva cor e outras ladaínhas, para de uma vez o afastar.

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 16.04.21

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Talvez consigamos vir a ser um reflexo do que fomos, agora que somos todos meninos de fralda na cara.

Mas é estranho: será uma reflexão invertida, tão mais notória quanto menor a limpidez das águas.

Não poderemos mesmo voltar atrás no tempo? Tornarmos a ter futuro?

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 04.03.21

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Porque eu posso - porque eu ainda posso - escolhi o mundo para vadiar um pouco por aí. Um mundo que começa à porta de minha casa e acabará (quem sabe?) no último dos meus dias. Entretanto, como se trouxesse uma ratoeira escondida, vou-o encaixotando na minha máquina fotográfica, por vezes em francês ou inglês muito frouxos, que eu nasci cego de línguas estrangeiras.

Mas lá tenho podido ir. Mochila às costas, uma ou outra noite dormida nos bancos de um aeroporto, em geral deslocando-me - havendo companhia - no conforto do automóvel. Porquê? Creio porque a vida se inventou para ser compreendida: trazida de fora para dentro, meditada e escrita. Talvez eu ainda possa um dia descobrir as palavras ideais para a sentir e descrever e explicar.

 

(Um desafio de Fátima Bento - https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/porque-eu-posso-3-texto-do-471689 - Obrigado, Fátima, pela sua simpatia e amizade!)

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 22.02.21

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Vivi sempre à espera do Monstro. As gentes riam-se mas eu confiava. Ele havia de aparecer, de pescoço muito acima das águas e um olhar estranho, oferecido à minha interpretação. Maligno? Nem por sombras: somente atónito.

Porque percebeu. Entendeu que um tolo, para ali levado, vindo de longe, não o queria troféu, - somente um bocado conversado com a sua história. No agradável bebericar de um wkisky, em kilt, e o velho shake-hands britânico.

Amigos como sempre. Somente, caí na asneira de lhe pedir uma fotografia. Foi quando, sem mais palavras, imergiu, Até hoje... Meu Deus!, falei demais, o que possa narrar será sempre mentira.