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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Desafio 52 semanas - 52|Uma carta de final de ano

João-Afonso Machado, 26.12.22

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Minha velha carcassa:

Eu sei, passaste um ano macaco de perna e pé ao peito. Foi uma espécie de covid ósseo ou muscular que te fechou em casa quase sem saíres. Um ano para esquecer, não? E um ano em que te aconchegaste ao blog e pouco mais produziste. Criaste hábitos sedentários e caminhaste os trilhos mais fáceis. Assim foi, nem tu dirás o contrário.

Blogaste muito. É bom, é mau? Responde a ti próprio. Mas perdoar-me-ás a ousadia de uma opinião. Que segue assim:

Há uma distância grande entre escrever e publicar. Isto, bem entendido, para quem faz da escrita modo de vida. E essa distância não é menor, no prisma de quem escreve, do que a que separa quem pensa e quem proclama coisas diversas, entre elas as suas letras. O que tudo nos leva a inquirir - porquê escrever?; porquê publicar?

A resposta - escrever para publicar - desde já te peço desculpa, não me serve. E dou as minhas razões: o excessivo peso do calendário, o tempo tirano que são os prazos e a subserviência ante os leitores.

Velhote: a ninguém tens de prestar contas...

Até porque neste envolvimento, não querendo ficar para trás, lá vens tu com mais uma crónica, entre tantas que melhor ficariam caladinhas na gaveta - a quantidade é inimiga da qualidade.

Já me falta a pachorra para alguma citação apropriada de um mestre. E não ignoro tu também não andas digerindo os mestres, simplesmente botas cá para fora, e seja o que os leitores gostarem.

Não, corta cerce. Torna à luz da vela e à velha caneta que, sem pressas, não borrata o papel. Escreve para ti. É sempre para nós que havemos de escrever. O mundo da escrita não é o dos publicitários.

Escreve, escreve, escreve. E de quando em vez, vindo a propósito, sai fora de portas e dá um ar da tua graça - publica.

Não vale isto dizer entres nas hostes monacais. Pelo contrário, tudo deves ler e até comentar.  Mas a tua escrita é quase só tua. Guarda-a em bom papel e dá-lhe voz quando e se necessário.

Entendeste?

Entendeste que não ficarás prisioneiro do teu blog, que o hás de... deixar dormir? Para que durmas também sem pisares as boas obras em curso?

Eu sei que é complicado contrariar hábitos, vícios. Mas ganhas tu e todos ganharão com isso. Recuperaste da perna e, soube há pouco, mudaste de espingarda com resultados animadores. As canas de pesca esperam por ti e o tinteiro ancião também. Localizo exactamente o ponto em que vai o teu estudo em curso; e outros mais te pedem. Afinfa nos contos e não dês como perdido o romance. Chega-me nisso tudo com toda a força. Nem que não edites... - mas para que precisas editar mais?

Crê - não desprezes o conselho (agora já vou além da opinião...) e dá o privilégio à tinta permanente. Tão mais feliz serás!

Caça, pesca, viaja, lê e escreve... E dá notícias, a mim e aos teus amigos - a quem desejarás também (tu, um perdido da cabeça) um Santo Natal, Festas muito felizes e um Ano Novo repleto do lugar-comum das "muitas prosperidades". De imensa Paz, enfim.

Não sejas tolo, olha o que te digo. Com este natalício abraço, velho amigo e no velho modo

Criado de V. Ex.cia sempre atento e obrigado,

JAM

 

"Famalicão através da sua toponímia" (para fechar o ano)

João-Afonso Machado, 15.12.22

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Por acaso julgo que o plano está bem sistematizado. São doze percursos urbanos (alguns só quase urbanos...) interligados, a permitirem o conhecimento da cidade de V. N. de Famalicão e a razão de ser dos seus topónimos. Seja através de notas históricas, seja mediante apontamentos biográficos. Um índice onomástico, a final, ajuda a manusear o livro e a acelerar as buscas.

O trabalho foi feito por empreitada e está concluído, entregue à, e aceite pela Câmara Municipal. Publicado e disponível.

A excelente e personalizada ilustração ficou a cargo do Amigo David Vieira de Castro; o prefácio é uma douta lição memorialista dessoutro Amigo Alcino Monteiro.

A capa invoca Sua Majestade a Rainha D. Maria II que refundou o nosso concelho. E o livro, concluindo, poderá ser adquirido na livraria municipal da Casa do Território, no Parque da Devesa.

 

Em Coimbra, uma noite no Hotel Astória

João-Afonso Machado, 13.12.22

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Tinha que ser, tão chegado é a Coimbra A. E há tanto tempo se ergue o seu pináculo e dormitam as suas mansardas, toda a sua estranheza de formas. Lembro-o tossindo da poeira levantada quando a Nacional Porto-Lisboa lhe passava à porta. Não sei como sobreviveria, contam-se histórias inauditas de ratazanas enormes no seu interior. Nós, os caixeiros-viajantes deste País, nada queriamos com aquela aparência de luxo ressequida e encarquilhada. E só a década seguinte devolveu o Hotel Astória à sua dignidade.

Ao que me contaram tem a idade do meu Pai, um seu desconhecido habitante da Alta académica. Não resisti, telefonei, fiz uma reserva e lá dormi nessas horas de Coimbra. Uma noite perfumada de linho com vista para o Mondego. Quase conversando com as gaivotas poisadas nos candeeiros da avenida. E esquecidíssimo do Basofias que já foi, tolhido de dunas e vegetação bravia, o Mondego adormeceu inerte, espelhando quantas luzes no seu leito.

Desci do terceiro andar ao rés-o-chão num elevador a chiar e a troar, aos solavancos. Mas sentado no seu banquinho, aguardando em sossego o fim da viagem. A sala de estar, um primor art deco e o futebol jogado na televisão, uns quantos espanhois por ali... Seria o ano feroz de 1938? - Não, a avaliar pelo ecran (mini-cinematográfico?) e pelo seu colorido falante, talvez mesmo pelo modo desempenado com que os presentes se comportavam na sala. Tirei muitas fotografias de interior para agora estar certo de não ter sonhado. E já no quarto, esfalfado, desinvencilhei-me da gravata, alarguei o colarinho engomado e baixei os suspensórios que me tolhiam os alvos ombros da camisa. Desapertei oa atacadores dos sapatos e busquei ideias no fundo da mochila. (Pois, não trouxera a valise...) A casa de banho com uma banheira qual piscina; torneiras pesadas e loiça sanitária como já não recordava, o triunfal regresso do bidé. Alvitrei - 1966?

Mas dos eléctricos e dos troleys, sobrava apenas a ferrugem de cabos esquecidos no ar. E a televisão dispunha de quatro garridos canais, a tremenda opção entre quatro programas em simultâneo... todos eles, por acaso, barulhentos. Voltei à varanda, voltei ao Mondego, agora cheio de cores natalícias, e deitei-me em aromas e leituras prolongadas. Dormi como um justo.

De manhã o duche magnífico e o pequeno-almoço em outro esplendor de salão, o piano sempre no seu posto no patamar subidas as escadinhas. No lugar da música. Quem sabe Glenn Miller, Amália, quem sabe?

Cerrei a mochila, enclausurei nela as divagações. Era dia para dois leitões à mesa e o comboio vinha aí... Mas nunca, em toda a minha vida, me custou tanto a despedida de um hotel!

 

Dia da Padroeira

João-Afonso Machado, 08.12.22

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A capela rapidamente caminha para os quatro séculos de idade. Vem do tempo da Restauração, da entronização da Senhora da Conceição como Rainha de Portugal. O obreiro da capela mandou-a construir sob a evocação da Imaculada também.

Ainda serão muitos os portugueses conhecedores do sentido destas letras. E permanece na família do tal remoto seiscentista a devoção e o culto e, obviamente, a capela que Lhe foi dedicada. Na Casa em que nasceram e nascem quantos seus afilhados, seus encomendados, seus sempre. Sentindo-se especialmente seus hoje, 8 de Dezembro.

Não longe, na cidade, decorrerão as solenidades em homenagem da Senhora. Ouvir-se-á o empolgante hino da Padroeira. (Um nó na garganta, um aguaceiro prestes a desprender-se das nuvens dos olhares...) E a pergunta ainda sem resposta, - em que esconsos lugares nossos tudo já será nada, esquecida a Mãe infinda, levada ao exílio a Rainha de Portugal? Uma pergunta, aliás, só não inútil por ser outro modo de experienciar o deserto.

 

Calma! Há para todos

João-Afonso Machado, 30.11.22

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Recebi ontem uns tantos. Os bastantes. Mas, entretanto, hei de arejar o espírito por uns tempos, uma espécie de estágio antes dos oitavos-de-final da bola mundial. Sobretudo para fechar este ano de pé-cochinho.

Já se manifestaram uns tantos interessados. Façam o favor, tirem a senha e aguardem vez. Não utilizem (mesmo tendo o número) o telefone, irremediavelmente avariado nesta altura; enviem mensagem através do FB ou para o endereço machado.ja@sapo.pt.

E para a semana pomos tudo em boa ordem.

Muito obrigado!

 

Camilo, sempre ele

João-Afonso Machado, 29.11.22

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Escorrega-se-nos entre os dedos, a sua história, como uma enguia. O Camilo mais de antigamente, ainda jovem e já desiludido, lamuriento; romântico, pobre, quase desconhecido, recém-chegado, sempre de picardias. Com muita correspondência que lhe vai arrasando quantos mitos! Porque Camilo não guerrilhou na Patuleia; porque sobrevindo o sossego, aumentou-lhe a irrequietude entre o Porto, Braga e Guimarães, deixando por toda a parte poemas lamechas, dedicados a senhoras impressionáveis («Prevejo a hora extrema de morrer.../A campa vem além... na campa o nada.../Um sono sem fim... jamais sofrer.»),  e 1850 é um ano indomesticável, intratável e ubíquo. Como sistematizá-lo?

Camilo no Bom Jesus e nas Caldas de Vizela. Numa roda de amigos que troca entre si poesia como quem joga cartas ao serão. Uma multidão, e alguns dos meus dentro dela.

Vai crescendo a pilha dos livros biográficos e das notas tomadas em folhas e folhas de papel. E o tinteiro já no fim, tantos os riscos em cima de frases ainda não no seu lugar. E as constantes interpelações epistolares de Camilo? A quantas não serei eu a responder, porque os seus contemporâneos a isso se esquivaram?

Que tal contenda se apazigue antes de 2046... Antes do bicentenário de uma Maria da Fonte em que até fingiu Camilo ter assistido ao assassinato do general comandante das tropas de D. Miguel!

Ah! Camilo, Camilo! Reparo agora, esqueci de conferir o ano em que conheceste D. João de Azevedo, esse boémio. Uma peça importante nesta charada. E lá escorrerá mais um bocado de tinta negra na escrita que hei de riscar ou entrelinhar...

 

Com naturalidade...

João-Afonso Machado, 25.11.22

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A gente já escreve as coisas na agenda para não esquecer. Acontece, porém, esquecermos de consultar a agenda...

A minha para 2023 é forte, dotada de um fecho magnético, e será bem visivel em cima da secretária. Cinzenta e sóbria, ofereceu-ma o proprietário de uma agência funerária local, que fez delas uma resma publicitária a distribuir por quem quer. Brrr... - tremerão alguns.

Era antigamente o cangalheiro. Hoje é um amigo que nos tratou de tudo quando os pais faltaram. E de um modo tão respeitoso e sentido, tão prestimoso, assim entre o desgosto e a perda a cordialidade se transformou em amizade. Em muita conversa de extremos tão distantes como as nossas colecções de miniaturas de automóveis e as minhas disposições de última vontade. Lá no funéreo estabelecimento de onde regresso carregado de blocos sem linhas para a minha escrita diária. Enquanto, em definitivo, não me transformo em hirto cliente seu.

Não há como não lidar familiarmente com o que há de mais certo na nossa vida. E com as pessoas que - é o caso - no maior escrúpulo e cortesia se encarregam de dar o devido arranjo à morte ainda à vista de todos. Assim abrirei tranquilamente a agenda com que o meu amigo me presenteou, essa agenda cinzenta e sóbria com fecho magnético, enquanto o tempo para tal ainda fizer parte do Tempo. Notas que não esquecerei...

Seguidamente, a palavra e o gesto ao dito amigo, já industriado para o restante...

 

Um novo livro - "Depois"

João-Afonso Machado, 19.11.22

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Mais dia menos dia, sai cá para fora. É poesia. O Depois vem na sequência de O Primeiro Dia do ano anterior. Ambos obedecem a uma ordem cronológica da minha vida, e o comentário que recebi do meu editor resume-se a esse assinalado mundo - que é o meu - onde a percepção dos poemas é de mais ninguém. Eu gosto assim. Porque, quando assim, gozo o gozo de não contar só histórias.

Acresce o que já sempre vou dizendo: falta-me a pachorra para apresentações, uma homenagem que faço aos presentes e pacientes. O editor tratará do resto - pela minha parte, dou notícia do livro e darei, a seu tempo, informações sobre como o adquirir. Aos poucos, decerto raríssimos, interessados Deo gratia. No mais, escrevi o que me apeteceu, tenho essa liberdade. E no passo seguinte deixarei de publicar poesia, é tempo de voltar aos contos, talvez à novela; o romance, deixá-lo-ei para a encarnação seguinte provavelmente.

Os mais detalhes virão adiante, caras amigas e caros amigos. Com o expresso pedido de não se zangarem pela invocação primeira das senhoras, dada a tremenda regra da igualdade de género agora vigente.

 

Um dia na Beira Baixa

João-Afonso Machado, 08.11.22

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Era noite à chegada à Herdade dos Abegões. E muito fechados os portões e as regras da casa. Torna-se difícil perceber porque não podem os cães dormir no quartos do donos, sobretudo se o tom de voz é tão imperativo quanto a razão é impenetrável a argumentos. Assim Dona Mécia foi conduzida ao canil onde já gania aflito e temeroso um recluso epagneul.

Mas Dona Mécia rapidamente fugiu desse convento. Marinhou rede acima e breve se apresentou, felicissíma, na sala de jantar. O encarregado, de péssimo humor, tratou logo da sua recondução a um canil todo coberto, de alta segurança.

No exterior o breu era completo. Ainda assim, a meia dúzia de metros, manifestamente os vultos de uma récua de javalis.

Quase não se distinguiam: havia dois maiores e uns tantos mais pequenotes. Com aqueles na dianteira, trotando todos na direcção da gente.

Explicou o encarregado, era uma porca e a sua prole mais um macho velho com eles. Já eriçados com a presença de Dona Mécia, aliás alheada desta infelicidade, do drama. A espingarda fez sentir muito a sua falta; um tranqueiro também, que à paulada os porcos sempre retrocederiam. E pareceu ser dispensável o medo, na ocasião sem qualquer valia. O encarregado berrava aos porcos, esbracejava, e eles estacavam e logo recomeçavam a perseguição. Assim até Dona Mécia dar entrada no canil e no regresso a casa.

Magnífico jantar! Noitada prolongada, conversa animada, sono curto. Logo cedo a partida para Toulões, caçadores, cães, guias, esperanças múltiplas. O pé já não coxeia mas ficara proibido de grandes cavalgadas. Sem embargo, a espingarda foi, a máquina fotográfica também e o raio de acção circunscrito a uma área que dispensava o guia e não atrapalhava as linhas dos caçadores. Com a manhã inteira para entabular conversa com Dona Mécia e a Beira Baixa.

As pernas não pararam. Os olhos encheram-se das formas mais venerandas ou fantasmagóricas dos sobreiros. Dona Mécia banhou-se em súbita lagoa de transparência e de o milagre de cardumes fulgurando nessa cubículo rodeado de imensidão. Já os pulmões avolumavam de bons ares e a cabeça se esvaziava de chatices. Ao longe os tiros ouviam-se, avistava-se uma das linhas que não pediria meças às pernas em treinamento... Mas, no respeito pelas ordens superiores, o recinto não ia além da cerca de arame e, deste modo, a atirar, só por maldade às imparáveis lavercas.

Todavia, entre tão impenetrável vegetação, descobriam-se motivos de entretenimento. Mais não fosse, o saltitar dos chapins nas copas das árvores.

A manhã fez a sua viagem. Na volta de uma das linhas, ouvindo-se vozes sempre mais perto, a ideia de ir à extrema (não aparecesse alguma perdiz afugentada) surgiu na melhor hora - a perdiz veio, como bala, mas dois tiros daqui não a deixaram prosseguir. Fora tudo de excelência - as pernas desemperradas, nunca parando; os olhos cheios e os pulmões também; muitos retratos tirados e a perdiz a finalizar.

Seguir-se-ia a pantagruélica almoçarada. Não sem que antes a máquina, já nos Abegões, apanhasse em cheio a elegância de um gamo macho fugindo!

 

Como foi o que já não é

João-Afonso Machado, 04.11.22

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Foram duas horas de espera, a mais activa, remexendo o passado. Em dez anos a ventania soprou no seu embalo muito além das três décadas que ali vivi.

A mercearia vende agora, a par de umas tantas garrafas de vinho e de rebuçados para a tosse,  panos bordados e souvenirs diversos, que a porta ao lado é um alojamento local. Entrei (na mercearia) com a imagem bem presente do dono. Cumprimentávamo-nos na rua, homem alto de barba grisalha, mas sem bigode. Não estava, atendeu-me a mulher com um sorriso de filha. Mas vivia ainda, quem morrera foi a empregada do balcão. E retirei, convicto de que a minha visita não seria tida por demencial.

Logo adiante, os restos mortais do Nova Europa, onde tantas vezes jantei e gargalhei com  a mais rematada chalaça tripeira do Sr. Manuel que servia à mesa. Mas os estabelecimentos de comes decuplicaram e os AL's são piores que os cogumelos. Uma merceariazita mais e o mesmo: uns restos de arroz e latas de salsichas, o espaço maior todo por conta de velharias à venda que inspeccionei atentamente.

No Porto Sentido fiz então a minha aparição e abanquei. O Sr. Joaquim (um bom homem de Valpaços a quem, nesse tempo, confiava as perdizes e o javali caçado para as nossas tainas), esse cozinheiro emérito, o Sr. Joaquim, reconheceu-me e gabou os meus quilinhos a mais. Ele, emagrecido. Já não serve jantares a grupos de estudantes, fecha às 18.30 e quer passar o estabelecimento que (mania de alguns transmontanos) ostenta uma bandeira da República cá fora.

- E os nossos amigos dessa altura, Sr. Joaquim?

Quase todos foram já... - Para a outra vida? - Sim, morreram ou senão envelheceram, deixaram de sair de casa... - Ainda assim, a loja de fotografias ao lado está de pé, combatendo a generalizada modernidade com a recuperação de fotografias antigas. Era um dos desses fins de tarde, o dono...

Por fim, a drogaria do Sr. Carvalho. Que eu vi no derradeiro dia, quando a camioneta carregava as sobras do seu comércio e a chave estava prestes a ser entregue ao senhorio. Dei-lhe um abraço, comprara-lhe certa vez uma espingarda cal. 24 (raríssimo), toda aos  bocados; o serralheiro deu um jeito, um velho armeiro (também já ido) vendeu-me munição, mas nunca reparei o percutor, antes a pendurei na parede da sala onde fica muito bem.

- Isto já nem dá para a renda, Sr. Dr. - chorava-se o Sr. Carvalho. E eu só pude desejar a melhor sorte a esse idoso natural de Esposende, de quem mais nada soube.

Agora é lá um café todo catita. Com o discernimento bastante para não arrancar da parede a velha placa negra que anunciava a drogaria. Volvi ao carro e deparei com um envelope azul-cueca no limpa-pára-brisas: uma multa de estacionamento que obviamente não pagarei.