À boleia
Foi há dias. Deu-se o caso de o meu médico me receitar as águas termais de Boticas para estes padecimentos dos ossos. Porém, para tais bandas, os comboios são todos uma recordação do passado e os autopullmans viram a cara às terreólas onde não carreguem ou descarreguem em abundância. Nada me ocorreu, então, senão a boleia... Na berma da estrada, uma magra sacola à banda, com o indispensável, e o joelho em descanso, apoiado numa tosca bengala de marmeleiro comprada em Baião.
As minhas alvas cãs terão ajudado: não demorou o notável desenho de um Mercedes 350GD - um jipe dotado de um prestabilíssimo estribo a consentir me alçasse, seguro na bengala, lá para cima.
Os estofos magníficos, de cabedal da melhor raça. Parecia de um avião, a colecção de manípulos no tablier. Música e ar condicionado. Quão melhor alternativa às tranvias dos transportes públicos!
O Mercedes era dos bravos, mudanças automáticas e o motor a rugir na aceleração, claramente afastando-nos do nível das águas do mar... Cruzei as mão na bengala sob o queixo e assim fomos por Braga, Póvoa de Lanhoso, desviando depois para as alturas do Barroso. O meu benemérito ia em cruzeiro e revelou-se um requintado conversador. Deu com força nesta República pejada de pulgas, proclamou programas de salvação cultural, as preferências gastronómicas dos literatos. Eu ouvia atentamente enquanto lavava o olhar nas albufeiras de Salamonde e da Venda Nova, e o secava depois nos caprichos esculturais da natureza granítica. Por quilómetros e quilómetros de montes e planalto.
O jipe levado com a destreza e a robustez que a minha alquebrada pessoa solicita. Sim, - alquebrada! Alquebradíssima, meus senhores, alquebradíssima! Velho, roído do esqueleto, impaciente de o demolhar em águas milagreiras. Chegámos, e outra vez o estribo salvador, a bengala de Baião a amparar-me e um adeus até ao meu regresso. (- Deus lhe pague, bom amigo! - agradeci penhorado) E fui tropeçando a calçada adiante.
E depois? Como será depois? Ora, depois logo se verá...