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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

À boleia

João-Afonso Machado, 21.12.22

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No fim de tanta pluviosidade uns diazitos de sol aqui prás bandas do Cercal. É terra que mal conheço, o meu Primo mais velho deixou-me e foi não sei onde, que não há modos de chegar. E eu de olho na vilória, no mercado, em uma visitinha qualquer. Mas nem comboio, nem carreira, nem avião... Nem um par de patins! Pois me leve o diabo se não me fiz à estrada montado nos calcantes!

Andei, andei, andei, até me começar a fartar de andar. E para trás ou para a frente, pedais só os que vinham dentro das minhas botas. O mais era alcatrão e lavoura a perder de vista. E movimento - o da brisa, às vezes.

Deu-me a sede. O Dezembro no Alentejo tem lagartixas ao sol. Assentei num meco da estrada e convenci-me se ela estava ali, para algumas rodas seria.

Foi só uma hora de espera. A contar lagartixas. Depois o barulho de um motor no mais longe da recta e um quadrúpede estranho, meio salamandra, meio sardão, talvez uma alucinação já, a cavalgar em minha direcção. Era, afinal, um Renault 4. Pior - um taxi!

Fiz imediatamente alto - Táaxiii! - que, obediente, parou com duas caixas carregadas de pintos no banco traseiro e um bando inteiro de poedeiras amorrinhadas na mala. Restava o lugar ao lado do chauffeur. 

Aquela troca de cumprimentos, aquele falar alentejão, o não uso do cinto de segurança censurado apenas pelo piar dos galináceos... Vamos nisso! Para onde? (Para qualquer lado sem sol nem lagartixas, para Melides de preferência.)

Deu-se a coincidência do taxista ir de volta ao Cercal. Regressava de uma feirita algures com matéria-prima para a casa de pasto do cunhado. Sim, sim, sabia perfeitamente o monte do meu Primo mais velho. E falou, falou, falou, por ele e pela provincia toda mais o rádio que já lhe tinham levado do seu R4, não sei quem, - mas o grande culpado da sorna que eu não consegui gozar.

Naquele jeito único de arrancar ou enfiar as mudanças no tablier, sempre chegámos ao monte. Ao apear-me, educadamente perguntei quanto era. E o taxista do Cercal, olhando de revés a capoeira inteira lá atrás, - Nã é nada companhêro, na próxima paga vossemecê um copito 'qui à gente lá no caféi.

 

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