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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

À boleia

João-Afonso Machado, 07.06.21

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O ar ardia, o tempo ia passando e o mundo não queria saber de mim. Junto à bomba de gasolina, já só pensava em um recanto para me estender, começando a escurecer, e dormir o que precisasse.

Mas, de súbito, o carro baixinho de jantes raiadas e um motor a resmonear diferentemente. Estiquei o dedo sem convicção, quase um autómato, era um MGA. Assim mesmo, mais um pedido, só para não dizer não.

Ei-lo, porém, a parar. - Good afternoon! - ouvi, assaz parolo, enquanto um braço abria a porta do meu lado. - Olha, olha, mas que boleia me caiu na sorte! - rejubilei entrando, sem sequer pensar onde me conduzia a viagem. De imediato arrancámos.

Houvera tempo para esmiuçar sobre a máquina. Um 1600 Mk II, um bólide descapotado. E dotado desses inigualáveis paineis britânicos, a manete das mudanças curta, sempre activa. O boné aos quadradinhos, cabelo alvo, bigode retorcido nas pontas e a pêra aparada milimetricamente. Circunspecto, o olhar na estrada, fazendo a sua apresentação - Hello! My name is Francis K... - Thank you very much, Mr. Francis... - Sir Francis, if you don´t mind... - Shure, Sir Francis, I beg your pardon...

Os quilómetros da A28 percorreram um largo traço silencioso. Neiva, Esposende, Póvoa... O carro mantinha o ritmo, Sir Francis mostrava-se exímio na condução. E o tráfego punha os olhos em nós. Entre os meus joelhos, a mochila não incomodava. Eu conhecia algo do modelo, quatro cilindros, boa cavalagem... Era só ter, ou não ter, pressa. Sir Francis principiava a carregar no acelerador. - Is having fun yourself - e eu a pensar, a rebobinar, o meu inglês.

Aí por Matosinhos, reabriu a boca, enfim, e perguntou - Where you want to stay? - Anywhere... - balbuciei.

E Sir Francis prosseguiu sem um tolher de vista, impávido, a considerar absolutamente normal nos últimos cartuchos dos meus 60 anos, mais esbranquiçados do que ele, desconhecer um porto de abrigo.

(Ah! soubesse eu inglês, não fora eu um diplomata, para sua inveja contaria a Sir Francis a história dos squires lusitanos!)

 

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