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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

A preto e branco

João-Afonso Machado, 19.05.22

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A passagem-de-nível era o derradeiro momento animado da avenida que se estendia sozinha até perder de vista. Tinham levantado as barreiras, o comboio já na estação, e a locomotiva resfolegava, enchia o ar de fumo quente e fogueteava apitadelas anunciando o rumo do norte.

Aliviou o pescoço com um abanão da gravata às cornucópias e atirou o chapéu um pouco para a nuca. Diante de si quase apenas o domingo esbraseado, a marcha solitária avenida fora.

Era pouco mais do que um descampado, davam os primeiros passos algumas moradias caladas dessas abastadas famílias de verão nas praias, por isso de janelas cerradas numa triste novidade de jazigo. Ainda sequer houvera tempo do arvoredo nas bermas do passeio crescer e criar sombra. Mais além, o "espada" estacionado, em sentido, muito negro, como se também participando no velório.

Decidiu-se: o casaco às costas, pendurado no dedo, e os suspensórios bem à vista. Num esforço enorme para esquecer os pés apertados nos sapatos de atacadores.

E foi a avenida toda, só ele, parecia o dono do domingo inteiro, nem uma bicicleta em trânsito. Por fim, talvez, os ecos de algum eléctrico ronceiro lá para as bandas do Carvalhido. Caramba! Quarenta anos de vida para cultivar um próspero abdómen, nada mais, e a paixão pelo futebol. Puxou do lenço, limpou a testa e mediu os passos restantes do calvário, Constituição a riba até ao campo do Lima. Ainda compraria uma bandeirinha azul-branca e uma fita a enfiar na palha do chapéu. Arre pernas!, mexei-vos e eu pago-vos uma cerveja antes do jogo...

 

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