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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

A preto e branco

João-Afonso Machado, 14.10.22

MOÇA COM GADO.JPG

A Cinda chegou de Fafe com o pai, home próspero no negócio do gado de carne. É o Ser'Antóne Vaqueiro, como respeitosamente o conhecem, agarrado ao seu longo e mortífero varapau de marmeleiro, o chapéu às três pancadas.

A feira de S. Miguel, em Famalicão, reserva-lhe geralmente umas tantas notas de mil agarradas por um elástico, depois de contadas de dedo lambido, no fundo do seu bolso. Do outro, do que não esconde a navalha de capar porcos. E a moça vem com ele, madrugadora, num canto frio da ronceira caminheta de taipais altos. - Ó cachopa! Lucinda! Amanhã botas o trajo e não esqueças as arrecadas, que é dia de Feira Grande.

A Cinda sabe mais. Sabe que há de pincelar de azeite todos os longos cornos do gado e de tapar-lhes as pontas com um pedaço de borracha; brilhantes, escorregadios, inofensivos, é como eles se querem. E sabe ainda da importância dos chocalhos na pescoceira das reses, ornamento e chamariz da gente da santa posta barrosã.

É esperta e bem jeitosa, a Cinda. Os seus olhos muito azuis, reminiscência do reino suevo no Minho, escondem com eficácia outras facetas menos cuidadas. O buçozito da Cinda, os sovacos amarelados, que a blusa branca não chegou a ser lavada depois dos calores da anterior utilização...

Moça dos seus dezassete anitos, nascida e criada no trabalho da terra. Seca de formas, ainda não lhe espevitou o colo e às ancas falta-lhes largura.

Mas o Nelo de Ribeirão está de mira nela. E no varapau do Ser'Antóne. Já o ano passado a moça cá viera à feira, miudita, a prometer o que ora garante. A Cinda esbarrou nas vistas do Nelo e deixou-se ficar nelas, bem entendido vigiando de esguelha a severidade paterna.

A manhã ainda não tem fim à vista. Aparecendo comprador para a junta, é certo o Ser'Antóne desbundar nos rojões da casa do ferrador, incentivando a Cinda a comer, comer para ganhar corpo de mulher nédia, corada. E o Nelo segui-los-á, se mais não for sob o pretexto de uma malga de tinto, duas sardinhas e broa. Mas já no domingo próximo, montado na sua motoreta, começará a bater os lugares prováveis de Fafe, um por um, a ver como param as modas...

 

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