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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Carrazeda de Ansiães

João-Afonso Machado, 19.05.21

Na casa dos trinta anos, as pernas lidavam de igual para igual com os socalcos e as maiores infestações de "sujo", as vinhas abandonadas nas margens íngremes e imensas do Douro. Não lhes tolhiam o passo os "mortórios" carregados de aramagem rasteira, em desuso e esquecida, tal a imparável ânsia das perdizes...

E era nas cercanias de Carrazeda de Ansiães, sempre, a abertura da caça, com longa e sinuosa viagem, de véspera, por Vila Real, Alto do Pópulo, Riba-Tua... Naquela idade a jantarada era de arromba, no restaurante do Sr. Paulo, e a dormida na única, tímida, casa que disponibilizava quartos, a 500$00 a noite, um monopólio do Sr. Pereira.

(Com o andar do tempo, os trilhos da caça levariam o secular grupo de parceiros e amigos para terras muito diferentes, as do Alentejo...)

Assim agora voltei a Carrazeda. Sede de concelho, mas vila muito simplória e despretensiosa, onde as éguas entram de tarde em trabalhos de parto, aguardando tranquilamente quem as auxilie, mesmo junto ao casario.

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E, enquanto almoçava umas pataniscas, fui inquirindo sobre essas antigas eras, em que em Carrazeda não havia pizzarias, apenas uma «Pisseteria»...

Do Sr. Pereira, as notícias, sinistras, tinham chegado ao Litoral. Idoso, sozinho, não obstante a abastança, um dia a tristeza, o desespero, o poço dos seus quintais... Enfim, tinham dado com ele em tais águas, sem vida já.

O Sr. Paulo ainda está entre nós. Numa cadeirinha de rodas, após tremendo acidente rodoviário. Mas o seu estabelecimento continua de portas abertas ao público!

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(Entrementes, aproximou-se um velho caçador local, sentou à minha mesa e a conversa demorou-se em saudosas recordações sobre os idos em que não faltavam perdizes e coelhos a enfeitar os ganchos das cartucheiras...)

Carrazeda de Ansiães cresceu, como não podia deixar de ser. Eu diria dela uma vila em reconstrução, a não desperdiçar antigas edificações que o destino deixou cair na ruína.

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É a mesma a pacata Matriz onde iamos à missa, talvez sem grande entusiasmo, mas acompanhando o decano do grupo, escrupuloso cumpridor do preceito dominical.

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Assim também com o seu jardim público, fresco momento entre a secura transmontana.

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Ou com a misteriosa casa na curva do adeus, - hoje o Café Curva - a história por descobrir de alguém mais afoito que um dia se bandeou para o Brasil e voltou com uma mansarda das gordas e macróbias.

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Como não era a, de curta duração, garrafa que o Sr. Paulo nos apresentava na mesa, após o jantar, proclamando - Srs. Drs. está aqui o verdadeiro scotch! - E a famigerada ia toda, na voracidade dos nossos trinta anos, madrugada fora, três horas de sono para uma maratona alvorecendo a sonhar e a correr socalcos e socalcos e socalcos.

 

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