Desafio 52 semanas -16|O vulcão
Muito se consome Cupido nestas invocações da nossa memória! A fazer-nos caminhar da adolescência prá juventude e para o que mais se saberá da curiosidade do alado arqueiro dos amores.
Porque, é claro, a gente vai somando os anos e aprendendo qualquer coisinha. Devo confessar, não gostei de estudar em Lisboa, pedi a transferência para o Porto e dei comigo na Faculdade ainda muito neura. Foi quando o Curso organizou uma palestra qualquer de fim de tarde com um mestre famoso, sapientíssimo, à qual se seguiu um jantar opíparo e (sendo sexta-feira) uma incursão no Twins, a grande boite de então.
Fomos uns tantos. Eu nunca reparara nela mas essa noite, já não sei como nem porquê, dei comigo em grande conferência em volta de uma cerveja e um sumo. A que tudo se seguiu a dança e algo que emergia em mim e matava, fulminante, a dita neura.
Dormi feliz, depois, e cheio de fé no futuro. Praticante diário de judo, na altura, comecei a roubar cada vez mais pedacinhos ao dojo, até para sonhar acordado a ouvir música.
A minha amada, especialmente preconceituosa contra os monárquicos, deu muita luta. Mas tombou, enfim vencida, num célebre 4 de Maio, o primeiro dia da Queima das Fitas.
Seguiram-se meses de activíssimo idílio para desespero do pai dela. Eram outras épocas... Em Julho chumbei às cadeiras todas, com o meu Pai a intervir, recordando quem não estuda vai trabalhar... E em Agosto pus-me a caminho do Algarve sem um tostão no bolso, cheio de saudades e pronto a dormir no relvado do aldeamento onde a minha querida veraneava com a sua família. Almas caridosas me valeram com um tecto e a comidinha sem a qual os apaixonados fenecem camilianamente.
Inesquecíveis, os namoros nas águas tépidas da praia! (Com uma chaminé cá em cima baforando zangada - o incrédulo, boquiaberto, progenitor...)
Já em Setembro recompus-me das cadeiras faltosas e em Outubro descobri, na maior aflição, que realmente não queria casar, nem ter filhos, nem o mais que prometera. Mas como dizer-lhe? Como me explicar?
Sucederam-se meses terríveis, tudo fazendo para que a iniciativa terminal fosse sua. Antigamente era assim... O vulcão tão depressa eruptiu, ardendo em lavas rubras, como se apagou numa cinza fria, só com olhos para todas as beldades em redor.
Mas ficámos amigos, por fim, o drama foi digerido. Já nem sei quando, seguia de carro no Porto e ela no seu, à minha frente. O sinal vermelho aceso, a paragem e eu a lembrar-me - Hoje é 4 de Maio!
Abri a porta, saí cá fora, fui ao vidro do seu carro e preguei-lhe um grande beijo na cara - Parabéns! Comemoramos hoje as bodas de prata do nosso namoro!
E ambos rimos à gargalhada.
(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)