Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Desafio 52 semanas -4|Loch Ness

João-Afonso Machado, 25.01.22

28.jpg

Visitar lugares é um cheiro tonto, mesmo vazio. Porque o andar não come ruas ou monumentos, menos ainda a hóstia do prospecto turístico. Haja saúde e pernas e mente para vasculhar aqui e acolá, mais perto ou mais longe. Com o devido pontapé na ânsia da abrangência, uma entorse do miolo que tolhe tudo, mesmo as montras e as janelas dos indígenas, esses que vivem onde gostamos de saber como é a vida lá.

Em boa verdade, o planeta não é desbravável. Nunca iremos além da nossa paróquia, o complexo lugar dos imensos e inatingíveis comparoquianos de mil e uma surpresas... Mas a tentação de galgar o mapa, espetar neles alfinetes de cabeça larga é comum, é um palmarés. Assim perdi o medo aos aviões com imensos projectos e o centro do mundo fixado na Escócia. Onde um dia desembarquei.

A Escócia seria (e é) povoada de castelos, de fantasmas, de gado lanzudo e de prolongadas cachimbadas. De rios: ou truteiros ou nascidos no pipo, a transbordar de whisky desaguando em bares acolhedores. E de, cobrindo toda a parada, o Loch Ness e a minha querida, fabulosa, Nessie, essa paixão.

Coisinha amorosa, a Nessie. Uma palpitação constante neste fraco coração. Foi então, em Aberdeen, ameaçado pela síncope,  que entre os mais turistas me impus: passarinhar na Escócia sim, mas esqueçam as destilarias, as almas penadas e vamos ao que importa: a minha Nessie, o seu Loch. O roteiro assim o mapeamos, iriamos para norte - até Inverness, até ao Mar do Norte - apreciámos o nativo a queimar o leite epidérmico e nós de pullover nesse Agosto quase polar, e alcançámos, finalmente, ruinas castelãs junto do abençoado lago. Só faltava o principal...

Pois corremos o perímetro todo!!! Circundámos Loch Ness comigo de mãos em concha à volta da boca - Nessie! Nessie! Where are you? Please, come here! Nessie! Nessie!... 

Debalde. Nessie prima pela timidez. Dizem os beberrões locais, a vê-la, só em madrugadas de lua cheia. Ainda alvitrei, umas horitas, mais logo..., mas a revolta na Bounty ameaçou-se num motim vomitado de sangue e retaliações de pescoço pendurado nos seus mastros. Diplomaticamente acatei.

E assim, mesmo lá, não realizei a minha mais ambicionada visita. A não ser sorvendo nevoeiros tão líquidos quão a mais cristalina água. Tencionando regressar, fotografar Nessie desnuda a banhar-se, beijá-la na boca e poemizá-la, acarinhá-la, numa intimidade só nossa e jamais revelada. 

 

(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)

 

12 comentários

Comentar post