Desafio Arte e inspiração|A Zefa
Afinal somos mais do que Lisboa e arredores e o fatalismo, e mesmo um certo deboche, existem por aí disseminados como as trotinetas - em qualquer vilóriazita.
Ainda assim, com algum recato, não vá alguém localizar no mapa a devassidão da Zefa, essa voz e esse corpo tão conhecidas pelos de léguas e léguas em redor do seu tugúrio.
É dificil descrever a Zefa - mulher que despreza o desodorizante e não se perfuma, bastando-se com os seus cheiros de fémea para atrair os machos que surgem e ressurgem.
A Zefa não suporta apertos nas carnes. Uma saia e uma blusa largas, a negra cabeleira solta, tantas vezes ainda embebida em memórias de refogados recentes... E a malga de carrascão que a acompanha o dia todo, um hálito que é quase um copo oferecido em cada beijo que lhe furtam os fregueses no correr das horas.
Para quê esmiuçar mais essa vida, a da Zefa, que já todos adivinharam como é vivida? Deixemos quietos os seus devaneios, amores fugacíssimos, não faltará quem ajuize da imoralidade da sua postura.
Lembremos apenas a força da sua personalidade e da sua voz, a desbragada independência de ambas. A taverna é o seu palco, as guitarras as armas que os frequentadores esgrimem e o varapau a um canto o polícia com que a Zefa impõe a ordem à clientela tocadora.
Um dia chegou, os seus dotes buliram o coração do Joaquim, moço de passagem na terra bem calhado no dedilhar das cordas instumentais. Com a Zefa partilhou a cama essa noite e a outra e a outra... Sentiu crescerem em si todos os sintomas da paixão, e se a noção do passado se lhe atravessou à frente, nem por isso o futuro deixaria de ser o casamento.
Gostosa de tanta atenção e importância mas livre até ao fim, a Zefa que conhecia os versos de Augusto Gil, improvisou em fado a sua resposta às preces do Joaquim - «Tomámos um compromisso/Jurámos casar os dois/Muito bem.Vamos a isso/Primeiro tu. Eu depois.»....
(https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/e-esta-semana-o-quadro-escolhido-e-559099)