Desafio Arte e inspiração|O céu campesino
Anoitecia e o céu preparava-se para um serão na aldeia perdida para lá dos montes. Rodeada de muitos quilómetros de ninguém senão dos ceifeiros, no tempo deles, e das lebres e perdizes que, nas manhãs, os caçadores tentavam surpreender.
Era uma terra às escuras, a aldeia fechava para dormir e nem mesmo a sua praça maior, a igreja ao centro de campanário altivo, quase a picar as alturas, nem mesmo esse areópago, a tasquita ainda aberta, alguma luz produzia. Apenas o firmamento, no seu vagar, se engalanava para essas horas de sol fugidio.Azulava-se de cerimónia e não esquecia o vago cinzento das nebulosas. Mas, sobretudo, sendo-lhe propícia a maré, gostava de cintilar, possuía não sei que truque faiscante; e a bola lunar quase passava despercebida, tantas eram as estrelas a piscarem no céu.
Já a cidade, fumadora inveterada, não as vê, tal a nuvem de fuma que levanta como um tecto a cobri-la. É, a quem na cidade lembraria espreitar uma noite estrelada?
Pois esse jantar quase no fim do mundo soube-nos muito bem. Setembro, um mês ponderado, nem braseiro, nem os tremelicos do frio, chamou-nos então para o terraço. Ficaramos à mesa até tarde, e agora eram os grilos em sinfonia nas vinhas, o consolado lamúrio das corujas e uma discussão animada das rãs a coaxar na charca. E uma imensa abóbada muda, soberba, pintalgada de ouro que brilhava - as estrelas, as nossas esquecidas estrelas!
Ali ficamos, de boca aberta com se as quisessemos abocanhar, trazê-las connosco. E, volta e meia, alguma tropeçava e caía do céu, num trambolhão aceleradíssimo a empurrá-las sempre para longe. Estrelas cadentes!, - segredavam-nos os anos antigos - formula um desejo! Que viessem como um jacto supersónico até ali ao nosso mirante e descansassem, bebessem um chá... A alvorada seria muito cedo: mas a noite estrelada pregara-nos às cadeiras. Porquê um quarto para dormir? Porque não o céu por cobertor?
Eu não sei se Vincent Van Gogh também andava às perdizes. Sei que, no seu tempo, escassos eram os fumadores e nenhuns os tubos de escape. Nada se interpunha entre ele e o firmamento e os seus mistérios e belezas.
Tais foram elas, de tal modo o artista se empolgou, que carregou, ainda deu mais expressão a essa celestial visão. E deixou para a História - seguramente na aldeia de Van Gogh não há distinção entre dia e noite! - o seu Stary Night, não sei porquê uma escolha neste desafio que intuio da Cristina Aveiro. Oxalá alguma estrela cadente caia por aí e me ajude no palpite.
Publicado no Desafio Arte e inspiração do blog Porque Eu Posso (https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/).