Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Desafio Arte e inspiração|O sonho

João-Afonso Machado, 05.10.22

À PLUMA.JPG

A outra margem num instante pareceu um lendário momento de Camelot. Ouviu-se qualquer coisa intraduzível mas lamurienta. E a barca, absolutamente estranha às gentes de Vinhais, surgiu da cerrada vegetação, acolchoada de damascos e nela a jovem à deriva, com os seus longos, saxónicos, cabelos ruivos.

Naquele troço, o Rabaçal corre baixo e pedregoso, em águas furiosas e transparentes onde há horas eu esperava a truta. E estranhamente, então, um gamo desembestou de um monte e galgou o leito do rio em quatro pulos apenas. Só podia ser um sinal!

A jovem lançava olhares aflitos de quem está próximo da morte. Num instante as minhas botas de borracha, altas até às presilhas das calças, ganharam cavalheirescos foros de indumentária mosqueteira e aos saltos sobre os godos do fundo, desiquilibra, volta a equilibrar, - Estou aqui milady!

Deu-se-me uma mão ansiosa, uma voz de angustia e confusa - Sir Lancelot! - Ainda tentei apresentar-me - Chevalier Machado, milady... - mas depressa percebi, era inútil e supérfluo. Já me alçapremara para o barquito, aliás confortável, entusiasmado com as vestes coleantes e translúcidas que transfigurariam qualquer um em salvador da pátria. (Que se lixasse a truta!...)

Milady veio a meus braços. A torrente aquática redobrava a potência, mas ninguém quis saber de remos. E o restante impõe privacidade e silêncio até ao fragor imenso de uma cascata um pouco além. Ficáramos indefesos perante um inevitável fim! Mas morreríamos abraçados, e abraçados entraríamos no outro mundo que nos esperava entre tanta penedia...

Só não foi assim porque acordei. A noite anterior deitara-se tarde, muito comida e bebida. E a pesca no Rabaçal redundou em sono, tal qual como aquela chuvada levara a abrigar-se num moinho o grande cineasta do Chaimite (o nosso maior pescador de sempre!), Jorge Brum do Canto: a dormir capturando uma espantosa truta voadora que se lhe escapou já quase na margem, ao acordar...

Eu simplesmente tinha voltado às entusiásticas leituras da revista Diana da minha adolescência, colecção que o meu Pai completara com rigor.

WATERHOUSE.jpg

(https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/e-o-quadro-da-proxima-semana-e-560765).

 

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.