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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Desafio Conto de Natal de 2021|Sonhos (e rabanadas)

João-Afonso Machado, 28.11.21

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Foi nesse amanhã que será sempre amanhã. Repleto de neve, não apenas no cume do Kilimanjaro, mas também nas nossas terras, nas ruas que ainda se lembravam dela. Um amanhã que até se podia chamar Liberdade, tanto o seu desprendimento e arejo e a dilecta neve, acumulada sobre as obsoletas viaturas do hoje parado no tempo.

Em suma, regressara o frio, a brancura que se pisava na altura própria de ficar mais por casa e em família: no Natal. E o mundo deslizava sobre plainas, as lareiras acendiam e as chaminés tinham ressuscitado. Ia-se às compras e circulava-se em trenós magníficos, dotados de poderosos motores a quatro patas - as renas, sempre nataliciamente galhudas e ágeis.

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Por isso mesmo há muito se desconheciam os problemas de trânsito. Voando como as gazelas, mas robustas, as renas elevavam-se com os seus reboques sobre os trenós estacionados em segunda fila, no frenesim de qualquer entrega nas chaminés domiciliárias.

E o Natal construia-se em tal movimentação. Os que não optassem por um contacto directo com a magia do Menino Jesus, comunicavam pelas chaminés das suas casas, que as portas não as deixava a neve abrir. Fosse para receber uma pizza, fosse para os ansiados presentes no sapatinho.

De resto, era um amanhã que então esquecia o fitness. Criava barriga, lambuzava-se em bacalhau, rabanadas e bolo-rei; repetia e voltava a repetir o cálice de Porto - da marca Velhotes (nostálgico Natal!) de longas barbas alvíssimas. O pessoal das entregas e os limpa-chaminés eram mais facilmente identificáveis do que os polícias, todos fardados de vermelho, com felpudos carapuços a protegê-los do frio e o o seu tradicional pregão "ho-ho-ho".

Porque cá fora, a temperatura queimava de modo tal que era impossível alguém aquietar-se. (As renas pernoitavam nas garagens, mastigando paulatinamente o seu feno.) Daí a neve derreter e não se acumular nas ruas e nos passeios, somente escondendo, levando para o passado, sobre o seu manto, os terríveis veículos poluentes. Amanhã - quando as estrelas reconquistaram o firmamento e os cânticos, outra vez audíveis, o coração de cada um.

 

(No desafio da Ana de Deus - https://rainyday.blogs.sapo.pt/)

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