Desafio lápis de cor| O azul cobalto galináceo
Ela era indiscutivelmente gira. Tinha as pernas muito bem lançadas, um rabo perfeitinho e o peito roliço e branco; a que tudo acrescia a virginal expressão, logo acima da sua habitual gargantilha verde. Conhecia-a das suas passagens diárias no parque, seríam porventura vizinhos, e daí o costumeiro e circunspecto cumprimento, sempre retribuído. Mas, no rolar das semanas, aquela elegância, a beatitude da menina, entraram a tomar conta dele todo. E já não comia nem dormia, de tanto pensar nela. O resultado: tornou-se atrevidote.
Curioso, simpático ou atencioso em excesso, mesmo brejeiro. E ela, a menina, nada! Sentiu-se descoroçoado. Durante toda a vida ouvira gabarem-lhe os seus cabelos loiros, os olhos verdes. Desde sempre fora olhado num misto de admiração e temor, era o seu cabedal, o tórax e o pescoço, todo ele azul cobalto das veias salientes e vibrantes, sempre encarrapitado nas árvores mais altas, os bíceps contraídos, prontos para a próxima.
Fora isso que a menina, imbuída no seu santificado recolhimento, nem se apercebera. Pois num instante se pôs na barbearia, a encaracolar um pouco mais as madeixas, arriscando mesmo uma tattoo peitoral, o azul cobalto era a sua imagem de marca. Depois passou no ginásio uns dias a fio. E numa bela tarde primaveril surgiu no jardim, em tronco nu, a cabeleira igualzinha à do Rei da Selva. Num longo e muito macho grito, que quase o atirava da liana abaixo.
Mas a menina olhou, desviou-se e prosseguiu sem uma palavra. Deu consigo azulando, azulando, porque a cena não passara despercebida a uns tantos transeuntes. Vestiu então, rapidamente, uma t-shirt e enrabichou o cabelo com um elástico, enquanto desdenhosamente concluía - assim vestida de castanho, só pode ser de algum carmelo...
(Um desafio da Fátima Bento https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/e-ca-estamos-nos-outra-vez-456098)