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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Desafio lápis de cor| O papel branco

João-Afonso Machado, 14.04.21

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A história tem, necessariamente, um fundo de verdade porque está contada no In Illo Tempore, de Trindade Coelho, e nas Memórias do Mata-Carochas, de Antão de Vasconcelos, embora com algumas nuances. Indo ao importante, tudo decorre na academia da Lusa Atenas e o seu personagem central é o poeta algarvio João de Deus, em simultâneo um taciturno, metido consigo mesmo, e um boémio de primeira água. Consoante lhe dava na tineta... A segunda interveniente era a belíssima Raquel, uma coimbrã amada por todos quantos fossem estudantes, a quem, aliás, o próprio João de Deus já dedicara alguns versos:

«Despe o luto da tua soledade/E vem junto de mim, lírio esquecido/Do orvalho do céu!/Tens nos meus olhos pranto de piedade,/E se és, mulher, irmã dos que hão sofrido,/Mulher, sou irmão teu».

Em Coimbra era assim. Afora as tainas na tasca das Tias Camelas, as tricanas e outras ainda, de calibre mais foleiro...

Sucede que a maravilhosa Raquel, ou um tal Sanches da Gama, estudante que a queria impressionar, deram em massacrar João de Deus para uns dizeres, um esboço qualquer, num album da menina. E insistiam, insistiam, insistiam, pela obra-prima.

João de Deus detestava pressas. Mas lá foi desenhando a carvão, para a Raquelinha, um Cristo crucificado.

E era tal o seu vagar que um dia, já em desespero, ou a musa estudantil, ou o Gama, indo a casa de João de Deus, e vendo o trabalho quase concluído, pegaram nele e foram andando.

O Poeta chamou o apressadinho personagem: que queria dar o retoque final... E, com uma borracha, apagou completamente o desenho, deixando a folha em branco, apenas com estes dizeres escritos:

Resurrexit non est hic

Pois se a Páscoa passara, Cristo já não estava na cruz! E essa foi a oferta do Poeta para a Raquelinha.

Digo eu (não Trindade Coelho, nem Antão de Vasconcelos) juraria que, nessa vitoriosa viagem do ressuscitado, algum dia vi Cristo à boleia de uma gaivota de papo alvíssimo...

 

(Desafio da Fátima Bento - https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/branco-hors-concours-498322)

 

 

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