Do meu querido Pai, dos meus cães
Gosto da velhice. E dos animais também. Gosto dos meus perdigueiros e das minhas saudades. Gosto de caçar, na plena consciência dos anos que o meu querido Pai caçou e se aposenteu da lide. Como ele, o meu querido Pai, sempre olhámos com desprezo essa tropa que agora pugna pelo fim da caça. O parágrafo segue adiante.
O querido Pai teve os seus cães. Eu, os meus. Toda a vida discutimos quais os melhores... Querido Pai, nunca fui atirador que se lhe possa comparar. O Pai era enorme, eu acertava às vezes. E faço questão de o proclamar. O querido Pai marcou uma época e eu, diria, envergonhei-o.
O tempo não se moveu. Meu querido Pai, ainda ando por cá. Longe da sua pontaria. Mas gozando o panorama. Com esta ressalva: o querido Pai era tão melhor, quanto melhores eram os perdigueiros que criei. Ora o querido Pai, nesta nota, não tem argumentos...
Não tem porque não os criou. Nem precisava deles, nessa época. O querido Pai nunca sentiu a frustação de um trabalho bem feito por um perdigueiro, e o tiro falhado, aquele olhar de incompreensão do artista.
O querido Pai deixou de caçar aos cinquenta. Eu, com sessenta e um, sigo esse caminho, já me pesam as pernas. Meu querido Pai, também deixo a caça, nobre prática de sempre. Mas é o que é! É a vez de passar o testemunho aos seus netos.
Hei de escrever sobre as batidas às raposas para levantar o querido Pai ao seu lugar de merecimento. Para já um beijo enorme. E uma (repetida) picardia - os meus perdigueiros são melhores do que os do querido Pai.
Mas sobreleva a destreza (que eu não deixo esquecer, que saudades...) do meu querido Pai. Que grande espingarda!
(A bica não pára, continua fresca, o ponto exacto do regresso, sempre musical. A memória do meu Pai também.)