Longe, muito longe
Salvaterra do Extremo sem quaisquer considerações históricas. Apenas o nome lindíssimo, quase o eco de um grito por socorro, na fascinante emboscada dos seus mistérios.
Um apelo vindo da perigosa vizinhança espanhola. De longe, muito longe. De onde as estradas modernas ainda nos tiram umas horitas para lá chegarmos. Noite feita, já barbuda, semicega, para caçarmos a manhã seguinte.
Fora um intervalo de mais de uma década. Houve emoção ao reconhecer, recordar, os lugares de então, os altos e baixos de uma área espessa em perdizes. Em cima das pernas, uns portentosos quilitos a mais, nas mãos a espingarda que há muito dormia, calada, esquecida, já desabituada da luz do dia.
E, nesta época, águas abundantes por todo o terreno gelado. Nunca a temperatura subiu além dos 8ºC, e isto já no pino do sol... Águas que não havia como evitar, botas velhas que as bebiam avidamente. Pés, dedos dos pés, como se enfiados na neve. Os cães felizes e tanto tiro desperdiçado!
Mas foi uma manhã como as dos idos longínquos dos quarentões. Bem disposta, melhor andada. Com as pernas resistindo às partidas dos calhaus, do acidentado piso e dos buracos escondidos sob a vegetação. Ainda pulando uma ou outra vala, ou esgueirando-se entre os aramados.
Somente o cinto podia ter chegado ao fim um pouco mais enfeitado... Mas a perfeição absoluta inexiste, salvo no divino cabrito da hora do almoço. Pouco faltava já para o último suspiro de 2020.