Maria Antónia, anda ver!
Devo confessar, sentia-me verdadeiramente excitado. Tinham sido muitos anos de queixumes, a mulher, coitada, sempre do pai, preso lá entre as serras onde não chegava qualquer um. Horas, horas e mais horas de viagem, um sem número de curvas e buracos e nem uma alma durante essas penedias, o rosário inteiro rezado por uma jeitinho da Senhora à borda das ravinas, a suster os nevoeiros...
- Anda ver, Maria Antónia! - o diacho da mulher enfiada na cozinha, eu à varanda de olhos no pátio a faiscarem de gozo, e ela nunca mais. A luz já era pouca e, de caminho, tinha ali uma multidão de vizinhos de volta do meu Peugeot. Um 404 novinho em folha!
- Então Maria Antónia? É para hoje ou para amanhã? - Ó homem, que queres tu? Acalma-te, ainda te dá uma coisa! - Pois põe a vista neste espada!
Ela veio, agarrou-se temerosa ao bordo da varanda e espreitou lá para baixo. - Ó homem, que rico carro. Isto é alguém que ganhou o totobola e se calou muito caladinho... - É nosso, mulher! Trouxe-o hoje do stand, que os negócios vão indo bem... E não querias tu ir mais vezes ao teu pai? Pois olha tens aqui uma máquina capaz de atravessar África!
A mulher abria e fechava a boca, sem saber soltar uma palavra. Havia de pensar eu perdera a cabeça, mais o que diriam o Victor e a Geninha quando chegassem do trabalho. Ora! Vão ficar tristes, decerto?! Até que lá conseguiu - Ó Nelo, ó homem, tu és pior que a canalha, não tens juízo algum!
Não me apanhava de surpresa a minha velhota. É assim mesmo, assustadiça dela. Mas quando se vir a rolar sentada naqueles estofos, a Amália a cantar na telefonia do carro, e nós a caminho da terra, tudo lhe passa e o farnel há de vir acomodado a condizer. O moço, esse, não se vai cansar de pedir para o deixar guiar um bocadito. A cachopa há de botar essas calças largas de agora, que um 404 não é para qualquer. E lá iremos todos esses quilómetros malditos com num avião cheio de luzinhas...
- Ó Maria Antónia, vem comigo ver a mala do meu 404. Cabe lá meia porca das que o teu pai costuma matar em Dezembro. Olha, para lhe adoçar o bico, trouxe do armazém duas caixas de morangos. Partimos amanhã, que é sábado, cedinho. Os filhos hão de vir connosco visitar o avô e a Geninha pode trazer o conversado dela, que é do modo sempre fica a saber com o que conta...