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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Midões do João Brandão

João-Afonso Machado, 16.08.22

Ainda haverá quem se lembre da cantilena - «Lá vai o João Brandão/A tocar o violão/Casaca da moda na mão/Atão, Atão, Atão». Menos certo é descobrir quem saiba do protagonista desta lengalenga já tão velha. Eis, pois:

Chamavam-lhe o "Terror das Beiras" e, filho de pai ferreiro, pertencia a uma família de ladrões impenitentes e pretensamente guerrilheiros no seguimento da Guerra Civil. Todos abençoados pelas instâncias liberais sempre aliviadas e coniventes com algumas mortes perpetradas pelo clã... Foi assim, com sucessivas acusações e absolvições, até ao advento da Regeneração e ao homicídio de um padre, crime pelo qual o João Brandão foi condenado à pena capital depois comutada no degredo em Angola. Onde, aliás, viria a ser assassinado...

Sucede, João Brandão era natural e residente em Midões, concelho extinto em 1853 e hoje uma freguesia do município de Tábua, Coimbra. Não muito longe dos contrafortes da Estrela. E, despromovida, Midões embezerrou no Tempo. Manteve a sua Matriz elegantíssima

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e o Palácio das Quatro Estações, mudo e quedo, numa galharda espera por um amanhã condigno.

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Mas será complicado encontrar outra localidade com igual densidade de património imobiliário antigo, às vezes devidamente restaurado,

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outras nem por isso. O pelourinho, todavia, mantem-se lá,

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tal qual interessantes aspectos do quotidiano. Como sejam a Fonte da Caricha, lavadouro comunitário de 1872,

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e o seu sucessor de 1981, quando o mundo inteiro girava no ritmo das máquinas eléctricas e Midões, ao que se vê, - não.

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Ficaram outras ruínas.

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Sobrou o casario antigo

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e bocados desmantelados ou remendados dele.

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Sobrevieram lugares atenciosos como as instalações da Junta da Freguesia e um quase pronto "hotel de charme".

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A que tudo acresce o aroma feliz que emana das figueiras e o esvoaçar das aves - rolas, corvos, milhafres - mais a razia nos galinheiros, proeza dos Joões Brandões de agora, as ginetas e as doninhas. Os cães serranos rugem por todos os cantos, vá lá saber-se porquê sorridentes à minha passagem...

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Foram tardes de calor maduro e piscina de amigos a terapeutizar a minha perna. E jantares como manda o figurino. Pelo meio, a imperdível memória do incêndio de Outubro de 2017, em que o fogo chegou via aérea aos pedaços de lenha ardente.

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Midões contabilizou então duas mortes, as de uns desgraçados que tudo faziam para salvar os seus haveres. A ruindade entrou pelos telhados e devorou alguns séculos de História documentada e pergaminhos familiares. Não que isso fosse tema à mesa... Mais depressa se comentava a presença britânica em Midões - mulheres peludas como lobisomens, sequinhas de peito e calçadas em sandálias feitas de pneus de bicicleta...

 

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