No peitoril da janela
Estava fechada mas dei-lhe ar novo em tempo das andorinhas, cumprindo a vontade dela e minha de encorpar o mundo, onde o mundo ainda tem respiro. E rendi-me ao seu parapeito numa tontice de bifocalidade.
Ora para dentro, ora para o exterior.
E dessa janela, uma perna cá, outra lá, fui lendo a vida desde a secularidade convergida até ao ponto negro da ignorância e dos ecos entre paredes, num rápido trejeito contraluz; e visualizando o infinito dos amanhãs ao sol que se escapuliam no acaso dos ventos contraditórios.
Afinal não desacertara. O Passado tem escoras; o devir, pontos de interrogação e o atemorizante horizonte. O que foi, foi; o que será não espera por nós. Apenas é - e é uma forma perigosa do verbo ser, tão vastamente quanto todas as aberturas das janelas, impossíveis de cerrar, mesmo se aparentemente fechadas na pequena terreóla onde esbarram nas vizinhas.
Assim apreendi Rainer Maria Rilke - «Não és tu uma nossa geometria/janela, tão simples forma/que sem esforço circunscreves/a nossa vida enorme?», - enfim alguém soube traduzir sentimentos por mim carregados no respeito de um antes e na fé do depois a eternizar-nos a alma. Bifocalmente, claro, insisto eu, - no rio das gerações que, se secassem, secariam os oceanos também, como um silêncio lunar.