O "crânio"
Sorte minha, a autoridade cá da terra é o meu primo Vladimiro. Ele e a sua farda, a gravata negra sobre a alva camisa e, à cintura, o bastão e a pistola que lhe foi distribuída... Assim não há quem o desafie!
O Vladimiro é do mais finório que temos na família. Cumprido o serviço militar, o Vladimiro veio com a cinzenta paixão das armas. Dera parte, na guerra, dos insurrectos, ajudava a castigá-los, esses infames traidores. Batia-lhes com afinco. E, posto na reserva, propôs-se à Guarda, foi aceite com as divisas de cabo e colocaram-no na esquadra onde se mexia como o galo da capoeira.
A freguesia é sossegada, porém. O telefone da sua secretária é raro tocar, os dias são monótonos e o Vladimiro enche-se de tédio. Sentiu-se rebaixado com a bicicleta que lhe foi atribuída, o povo destas bandas já é muito de motorizadas. Por tanto ele resmungou, andavam a inferiorizá-lo e, nos seus vagares, deu-se com firmeza e amor à cachaça as tardes todas. É como vai escoando o seu pré mais o que não tem, e depois se socorre dos familiares e amigos. Ao que acresce a moça nas redondezas, já não é segredo, que por uns favores o deixa sugado, sem cheta. E tudo amenizam, felizmente, as multas deixadas esquecidas a troco de qualquer coisita...
O Vladimiro aguarda agora a sua promoção a sargento. E um jipe para o posto, para justificar a sua previsivel obesidade, as botas de montar onde estala o pingalim que antes estalava nas costas dos militares insurgentes. Anda já a treinar poses e, por dá cá aquela palha, leva a mão ao coldre, fala como na caserna, e ameaça. Ultimamente descobriu, a esquadra vizinha compunha-se de um ninho de bandidos conspiradores e apelou ao Distrito - com ele no comando conjunto seria a ordem e o fim dos desmandos. Ao que se diz, o assunto está bem encaminhado, a contento das ideias deste meu digno primo.
Pois é, nada há que ele não consiga, o danado do primo Vladimiro. É um ás, o espertalhão! Um "crânio", como lhe chamou o Sr. Abade o outro dia.