O Penedo Durão
Poiares, freguesia do concelho de Freixo de Espada à Cinta. Deixando a aldeia por caminhos complicados e amarelos das giestas. Sempre a subir até à grandiosidade dos penedos e à enorme varanda sobre o Douro Internacional.
A viagem remata-se num parque de merendas e em carreirinhos para o topo, um bloco granítico que os milénios de ventos e chuvas aguçaram como navalhas.
São lâminas sobrepostas e apontadas ao céu. Muito ao fundo, o rio correndo do norte, de barriga cheia e luzídia e, decerto, alguma vaidade, tal a opulência das suas formas. Como se os cumes dos montes estivessem ao alcance da sua vontade, das suas águas dominadoras.
Mera ilusão! Diversão de quem espreita cá de cima: o Douro vai enganado, um pedaço adiante cancela-o a barragem (la presa) de Saucelle, aconteceu os espanhois deixarem-no engordar para lhe sugar energia hidroeléctrica e - somos todos testemunhas - do paredão o rio esguicha apenas, e num fiozinho se vai tentando recompor.
(Os rios são assim, nascem e renascem, jamais baqueiam - como as palavras dos homens - senão no lugar natural da sua morte, a foz: para onde, contra tudo e contra todos, deslizam sem desistir ou hesitar.)
Mas é um extraordinário momento de rocha e vegetação selvagem, somente com o incontável valor da monumentalidade e das formas cruzadas e coloridas! Distante da vida humana, cantorio de aves, suposição de feras de bom porte. Rapinagem de grifos, asas de envergadura que assusta, esbranquiçadas, voando muito abaixo do nosso poiso até ninhos inacessíveis, verdadeiros altares de necrofagia.
Na margem de lá, o vislumbre do povoado de Saucelle. Num face-a-face que o Douro vai eternizando.
Portugal e Espanha. Dois universos?
Nesse dia, ambos o meu mundo. Quedo, coleante à moda dos cursos de água, amaldiçoando o betão entre a Natureza e de olhar consolado no planar dos grifos. Acalorado pela inevitabilidade das correntes que hão de chegar ao mar longínquo e sorrindo, em toda essa vastidão, ao dar com Nossa Senhora.
A alva Nossa Senhora - aqui - do Douro. Como o é de tantos outros reinos onde o meu coração assenta e esquece tudo quanto o quotidiano tem de feio.