Pacotinhos comemorativos
Folheio a agenda já estonteado. Os dias sairam do anonimato e exibem agora nomes próprios e apelidos sonantes até. Vêm à televisão comemorar-se, exigem a atenção do público, dão o seu espectáculo com timbre muito nouveau riche, como dizia uma certa velhota, ela mesmo posta toda gaiteira pour épater le bourgeois. Infeliz, inoportuna, sequer se apercebendo da gente à volta a rir, carago!
Pois também os dias olham por cima, sobranceiramente, das semanas e dos meses. Invocam genealogias antigas, bíblicas, com lugar de destaque na História. São deles a Liberdade, os Trabalhadores, o Pai e a Mãe, a Mulher! Mesmo os mais modestos não se coibiram de deitar a unha ao Livro, à Árvore, ao Cão ou ao Gato...
Em boa verdade, os dias cairam na rede espertalhona do comércio que os descobriu com S. Valentim, o Halloween, a facturar carnavalescamente. Depois foram também adoptados pela apagada imaginação dos senhores da "Cultura", muito ligeiros a lavar as mãos após terem posto as criancinhas a plantar uma árvore antecipadamente condenada ao esquecimento; ou a ler um livro com o pensar transportado para o recreio, os ciberjogos... Esta faceta de sensibilização, então, toca as raias da tolice e deixa bem à vista que há coisas cuja importância só se afere uma vez por ano. (Sendo que "é Natal todos os dias", se tal não fosse uma colossal mentira.)
Deixemos, por isso, o postiço. Devolvamos os dias às semanas e aos meses. Não compliquemos o ano e gozemos por todo ele a liberdade, o cão e o gato e não a árvore mas o bosque. Enquanto este não arder de um momento para o outro...