Pacotinhos de incoerência
A "fábula" foi-me contada assim: ela desconhecia a minha amiga mas logrou arranjar o contacto. Convidou-a para um encontro n'A Brasileira. Por qual motivo? Marcou hora e surgiu, a madame, empoleirada nuns saltos stiletto (penso que assim se diz), pouco faltando para o trambolhão e para se fracturar toda; vinha embrulhada em peles de raposa e com um penteado saído há minutos do cabeleireiro. (Não, não trazia boquilha somente pela inoportuna razão de não fumar.)
Sentou-se, pediu um chá, descarregou a bílis e foi-se, tão misteriosamente quanto tinha chegado, sempre vai não vai para se estatelar na calçada húmida.
Isto ocorreu há uma duzia de anos. Ao jantar, a minha amiga, ainda embasbacada, a tentar descrever a figura e eu a rir, a rir, a rir. Como se a estivesse a ver e a ouvir, - meia boca pregando a paz, a outra meia rogando pragas vicentinas.
Que não se afligisse a minha amiga. A história de cada um está repleta disto mesmo. Eu sou tudo menos apologeta e, sinceramente, entendo nada ter a pregar aos meus semelhantes. Roubem-se, matem-se, esfolem-se... Mas algo exijo, e sem isso vamos a parte nenhuma, - coerência. Uma afirmação feita pode ser retratada; mas jamais modelada ao sabor da argumentação.
Por tudo, penara a madame o piparotezinho que se impunha. Era dessas que querem curar todas as angústias do mundo, mas vivendo em conflito aceso com ele e consigo mesmas. Mais uma senhora da guerra, «sempre com o desembaraço de proprietária do destino», como escreveu Vergílio Ferreira.