Pacotinhos de silêncio
Nada será pior do que a voz alta, caminhando na rua ao nosso lado, a partilhar com o mundo um conversa supostamente dos dois apenas.
Ou talvez só dela. Pensando bem, a voz alta fala muito de si mesma e das suas proezas. Enaltece-se, gosta de se ouvir. Serpenteando entre as gentes, a voz alta tem passada larga e arfa já, quando sintoniza o andar entusiasmado com o volume do som. Será o momento em que conta apaixonadamente um qualquer episódio onde alguém lhe gabou - comovido e agradecido - os seus méritos e a sua caridade.
Tenho constatado isso. Até no mercado, onde a serenidade dos vendedores é o mais palpável indício da qualidade dos seus produtos. Quem muito gesticula, quem muito apregoa...
E depois a voz alta é sempre critica. Não é exactamente a momentânea voz exaltada. Antes o silêncio proclamado, ensinado, imposto, - enfim, anunciado - aos gritos, como a suprema virtude, a riqueza para nós outros inalcançável.
Não existe mais formidável paradoxo: a voz alta, temível palradora, narrando os seus momentos de recolhimento e meditação. Mais não espantaria o monge tibetano, em levitação magoando os pobres pés descalços dos seus congéneres.
Somente o mutismo saberá defender-se da voz alta. E decerto, também, um sorriso interior, do nosso escondido espírito, desde que ela começa a dizer-se tão dada, tão boazinha.