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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

Pacotinhos de silêncio

João-Afonso Machado, 03.08.21

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Nada será pior do que a voz alta, caminhando na rua ao nosso lado, a partilhar com o mundo um conversa supostamente dos dois apenas.

Ou talvez só dela. Pensando bem, a voz alta fala muito de si mesma e das suas proezas. Enaltece-se, gosta de se ouvir. Serpenteando entre as gentes, a voz alta tem passada larga e arfa já, quando sintoniza o andar entusiasmado com o volume do som. Será o momento em que conta apaixonadamente um qualquer episódio onde alguém lhe gabou - comovido e agradecido - os seus méritos e a sua caridade.

Tenho constatado isso. Até no mercado, onde a serenidade dos vendedores é o mais palpável indício da qualidade dos seus produtos. Quem muito gesticula, quem muito apregoa... 

E depois a voz alta é sempre critica. Não é exactamente a momentânea voz exaltada. Antes o silêncio proclamado, ensinado, imposto, - enfim, anunciado - aos gritos, como a suprema virtude, a riqueza para nós outros inalcançável.

Não existe mais formidável paradoxo: a voz alta, temível palradora, narrando os seus momentos de recolhimento e meditação. Mais não espantaria o monge tibetano, em levitação magoando os pobres pés descalços dos seus congéneres.

Somente o mutismo saberá defender-se da voz alta. E decerto, também, um sorriso interior, do nosso escondido espírito, desde que ela começa a dizer-se tão dada, tão boazinha.

 

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