Santo Antero
Almoçávamos sossegadamente em agradável esplanada dando para o Largo com o seu nome, de frente para a casa onde viveu entre 1881 e 1891. Antero de Quental! O nosso maior sonetista, o único capaz de filosofar em duas quadras e dois tercetos decassilábicos. Um homem a pedir amor, compreensão e eternidade. (Sabedor da edição próxima dos seus sonetos, escrevia Eça ao amigo comum Luís de Magalhães, em 1886, - «Há almas sofregas desse alimento espiritual. Que esse Santo filósofo mostre a sua superioridade sobre os Santos do Calendário - aparecendo vivo e brochado, aos seus devotos».
Santo Antero, - assim ficou prá História. E depois do estudante em Coimbra e tipógrafo em Paris, - ermita em Vila do Conde, num longo percurso onde bandeirou a Revolução e o socialismo proudhoniano e depois proclamou Cristo e o budismo, quis o Nirvana, quase atingiu o desespero dividido entre a imanência e a transcendência, o lugar próprio da Humanidade na terra e o anseio metafísico de algo muito maior.
Nos então calados areais de Vila do Conde pediu aos ventos lhe trouxessem remédio para as suas angústias. Viver é comprender e eu - um imodesto - recordo palavras antigas de um senhor psicólogo dirigidas a mim - A sua personalidade tem muito de Antero... - observava ele.
Devorei os seus sonetos. O derradeiro, de 1884, é vilacondense e intitula-se Na Mão de Deus, dedicado à Mulher de Oliveira Martins, - «Na mão de Deus, na sua mão direita,/Descansou afinal meu coração./Do palácio encantado da Ilusão/Desci a passo e passo a escada estreita./.../Selvas, mares, areias do deserto.../Dorme o teu sono, coração liberto,/Dorme na mão de Deus eternamente!».
Foi a década mais feliz na sua atormentada vida de Santo Antero. «O meu misticismo dia a dia se consolida mais» - dizia ele ao amigo Lobo de Moura - «A minha religião, o meu culto de existência super-sensível, sem o qual não sei o que seria desta minha pobre existência sensível».
Antero trocaria Vila do Conde pela Ponta Delgada do seu berço e do seu esquife, em 1893 morto pelo reaparecido desespero, num banco de jardim em que já me sentei um dia, em comovido abraço ao Poeta.