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FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

FUGAS DO MEU TINTEIRO

Imagens e palavras de um mundo onde há menos gente

"Ano velho"

João-Afonso Machado, 28.12.22

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Como se simples folhas de caderno diário

rasgadas num gesto só

e dadas ao tempo, quase desperdiçadas;

 

já nós, cacarejos, frangos de aviário,

mais um menos um centenar,

sequer memória ou inda por depenar;

 

assim chega outro calendário,

as datas, semanas, meses,

o fio e o punaise no armário,

 

tudo ao lixo, tudo despejado,

ano que vais, nas trevas do passado.

 

"Almocreve"

João-Afonso Machado, 08.10.22

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O tractor mói e vicia

a paz do meu jardim onde a água cicia

um passado longe de mim,

 

quando um silêncio breve

pintado de verde ainda sob a varanda

 

é o momento do almocreve,

velho sem filhos, de ida e vinda

(ssst burra, anda!)

 

na sombra do arvoredo e da fonte e seus cantares

(e a bicha zurra, orelha à banda),

erguendo o pau, patrão de nau

perdida de mares em mares.

 

Desafio Arte e Inspiração|"Cronos"

João-Afonso Machado, 14.09.22

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O Tempo um mestre o quis parar,

Cronos desculparás esses relógios derretidos,

amolecidos pendurados

 

e não cortarás

(Cronos ri alvar)

outros pescoços nem as árvores secarás,

a natureza, o mar, toda a pureza do horizonte.

 

Cronos haverás de enverdecer o monte

que o artista queimou ansiando a loucura

de semear secura quando proclamou

 

Cronos não perdura, o Tempo parou.

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(https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/desafio-arte-e-inspiracao-v2-0-semana-1-554432)

 

Desafio 52 semanas - 34|Baltasar Pinheiro

João-Afonso Machado, 22.08.22

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E se eu fosse Baltasar Pinheiro,

homem pretérito

vida curta e pouco dinheiro?

 

E se eu, Baltasar Pinheiro

o pai emérito do meu bastardo

filho de fogo que já não ardo,

vislumbrando a morte

o tivesse comigo, fiel parceiro?

 

E se defunto enfim

(duas linhas de História, Baltasar Pinheiro)

ainda sentisse em mim

lágrimas de memória dorida,

a mãe depois, o moço primeiro,

ela como se despida,

ele sem dote, sempre solteiro?

 

(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)

 

Desafio 52 semanas - 30|"Valsa da brisa enfim"

João-Afonso Machado, 25.07.22

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Conta, provaste a dor, levou-te de mim

o calor, as chamas,

devaste, mil faces de horror.

 

Conta, voltaste, voltaste, assim voltaste

em jeito de dança lenta por fim

e os dois rodámos, os dois abraçámos

 

- conta amor - a noite, o céu, as estrelas,

 e os dois valsámos, valsámos sim

em alma e cor de brisa enfim.

 

(Desafios da Abelha - https://rainyday.blogs.sapo.pt/52-semanas-de-2022-introducao-392169)

 

"A preto e branco"

João-Afonso Machado, 12.06.22

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Provera se cruzassem um dia

a gasta viela tão já corrida

com o sol dessa nova via

fresca presença de vida.

 

Mas nunca porém

os rigores antigos da escrita

hão de trazer alguém,

 

severos castigos de hirta

gramática

 

onde te cansas coração

de errática silhueta estrada além

descalça, sem pontuação,

branca?, preta?

 

Outros o descobrirão.

Eu não.

 

"O conto"

João-Afonso Machado, 22.05.22

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Vai em lágrimas neste ideário

algemado o biltre sob custódia

firme da lei por um lado,

 

no outro seu dicionário

aberto em par de paródia.

 

Triste maestro apeado de batuta partida,

outra vez o dito por não dito, instante rapsódia,

diária luta, aflito calvário…

 

- E agora vamos embora!,

(algemado o biltre sob custódia)

findo é o conto do vigário!

 

"O dia calado das glicínias"

João-Afonso Machado, 16.04.22

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Nada dirão hoje silenciosas

ante olhos em cantochão

cobiçando suas campainhas

 

nas longas vestes majestosas

dos seus lilases de rainhas.

 

E aos molhos despertarão

amanhãs e as gentes

as glicínias esparsas no chão

como sinos frementes, arremetidas

ígneas cores ecos, afinal flores

 

de vozes acreditando perdidas

no novo rei dos seus amores.

 

"Montarias"

João-Afonso Machado, 07.04.22

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Hei pois de subir à serrania

o tempo a arfar para trás esquecido

pela matilha dos sonhos a ladrar.

 

Já no cimo gesticula desvanecido,

chama, grita, assobia

um disparo de alma nova

pela matilha dos sonhos a uivar.

 

Ergo triunfal a jovem trova,

o seu alar em traço ferido

pela matilha dos sonhos a rondar,

 

ergo-a  bem alto e volto  à cova,

ela comigo pendurada,

rima ensanguentada

 

(a matilha dos sonhos sem sossegar)

para mais logo a cantar.