Um minhoto na Capital
Jamais sentira Lisboa tão mortiça em princípio do Outono. A Avenida das Forças Armadas parecia ter desertado e lá em baixo, em Entrecampos, a órbita automóvel era nenhuma. Um ar plácido, sonolento, estimulava os meus vagares de uma tarde toda não sei para quê.
Foi quando ela, a minha loira amiga, se ouviu tilintar das pulseiras. Eufórica, ao arrepio da Capital inteira. E, conforme explicou enquanto me arrastava para uma esplanada, recém-chegada de Londres onde, logo adiantou, se deslocara propositadamente para assistir «aos funerais da falecida» Isabel II.
Estrebuchei já contrariado. Entre nós não há funerais, há enterros ou, vá lá, cerimónias funebres; e as pessoas não falecem - morrem. Mas o que entenderia a minha amiga dos hábitos dos morgados minhotos? Ou da nossa gentry, para usar a designação britânica?
Enfim, lá me conseguiu sentar e pedir uma águas melancólicas, sem verbo. Este vinha todo, torrencialmente, do seu acervo de novidades sobre as exéquias contadas ao pormenor, com um milhão de turistas testemunhando os dois dedos que Carlos III lhe estendeu.
Eu nem a televisão ligara esse dia. Nada acompanhei. A gente nasceu monárquica e monárquica há de ser sepultada. Pela Rainha inglesa... nem ao 7º dia poderia comparecer, porque os anglicanos não celebram missas de sufrágio. Ocorreu-me um dos primeiros milagres de Cristo - Lázaro, levanta-te e caminha! - aplicado à até então ausência de monarquismo da minha amiga. Trajava ainda cores escuras, com uma fita vermelha, azul e branca no pulso. Mesmo o chocalhar das pulseiras perdera metal...
Suspirei profundamente. Gosto das paradas em Buckingham, gosto do Changing of Guards, do Hyde Park e do Speakers Corner, dos esquilos, de Picadilly Circus, do Tamisa... e até já sorvi os mais asquerosos pivetes atravessando o Soho. Mas sou um viajante e não um turista, muito menos um turista funerário. De modo que, farto de marchas e solenidades militares, dos arções onde seguia a urna real, lancei a ideia - Então e se planeássemos uma visitinha ao Eire?
- Credo, não, isso é uma república!