Vizela
O ambiente nunca foi harmonioso. Mas em 1982 o motim eclodiu: a população toda na rua, os sinos tocando a rebate, o caminho-de-ferro de carris levantados... Vizela queria ser concelho, reclamava meia dúzia de freguesias para o constituir, e pela noite fora os archotes acesos incendiaram impropérios contra o imperialismo de Guimarães.
Simpatizante da facção vimaranense (que a minha gente é muito de lá), durante anos não tornei a Vizela. Mas a idade tudo esquece e o tempo tem gestos benfazejos como, por exemplo, produzir ruínas e castigar famigerados texteis.
Ainda agora percebe-se estamos numa fase de grande indecisão. E de perplexidade: restarão vestígios de uma eventual visigótica ou henriquina indústria?
Vizela, alcançada a alforria concelhia em 1998, por ora não tem resposta. Prepara o seu Museu da Indústria Textil (do qual passo ao lado), mas resguarda o centro (a antiga vila) de toda essa confusão produtiva e laboral e, claro, aposta na sua riqueza termal.
(Propositadamente para lá parti sem sequer um livro na mochila. Demandei a livraria, o ensaio sobre Camilo Castelo Branco em Vizela,
algo que me levasse adiante dos Gracejos que matam das Novelas do Minho - debalde, porém. O gosto da leitura rareia nestas caldas e eu não encontrei melhor, para me entreter à noite, do que um romancezeco do Mário Zambuzal.
Como quer que seja, a Vizela antiga defende-se bem. Banha-a o rio com o seu nome,
dá-lhe sombra o frondoso Parque das Termas, lugar de amores e enredos camilianos.
De muitas árvores e lagos,
de muitos silêncios e amigáveis seres,
com o curso fluvial sempre a ladeá-lo.
A cidade não é monumental mas as suas praças são aprazíveis lugares sem berraria. Ficam ainda indeléveis marcos da riqueza de outrora
e de um comércio como já não há.
Além disso, ainda que os edifícios vão caindo aos pedaços, sempre sobraçarão a bandeira do novo concelho, pregada nas frontarias. É assim por toda a Vizela
que exibe também saborosas febras do humor minhoto.
Os hoteis, irmãos amicíssimos das termas, juntam-se na rua principal (recordo a quietude da parança), não longe do parque. Tudo vai sendo recuperado mantendo traços simpáticos da arquitectura dos primórdios.
Os dias passeiam-se tranquilos como as tartarugas e os cágados nos penedos do rio.
A jusante das termas vamos descobrir (com imensa pompa indicativa) a ponte romana. Ou não será românica?
Estou em crer que os letreiros enganam: a edificação actual é já uma reconstrução medieva. A Ponte Velha, assim é mais justamente nomeado este monumento nacional. Desta Vizela tão recente e tão antiga em História a que poucos parecem atender.