Zamora
Entrámos, eu e o meu filho Bernardo, num cerco de avenidas indistinguiveis e de edifícios tijolados, numa típico modo de bandeira espanhola, sempre uma imagem de marca. Parámos no Turismo local, serviço prestimoso, que nos forneceu um mapa e muito amáveis instruções.O meu Bernardo perorando em castelhano, eu em português de boa lavra, que eles, vindo cá, ao nosso Portugal, também não se esforçam...
Entendemos-nos. E da Plaza La Farola seguimos para a zona histórica, com passagem por alguma parasitação na Plaza Alemania, onde ainda sobrevive a Ermida del Carmen del Camino, coitadinha, enforcada nas cordas da modernidade.
Um mau começo. Mas lá nos entendemos a caminho da Zamora livre, ora pela Calle Santa Clara, ora pela Calle San Torcuato, ambas pedonais.
É um tempo de olhares cheios de edifícios quinhentistas.
E de bom comércio e múltiplas plazas, cada uma com a sua crónica e monumentos a encher-nos a alma, sejam eles religiosos ou civis. Nos quais, nesta cidade já de tamanho adiantado, as cegonhas continuam a nidificar nos lugares mais altos.
De pé firme, passámos a Plaza de Santiago,
a Plaza de la Constitución,
e a Plaza Mayor,
finalmente atingindo a Plaza Viriato, um designativo de todos nós, peninsulares.
Sempre subindo a História. A Plaza de San Ildefonso, o templo que a marca, também nos fala ao coração, - a Eclesia de San Pedro y San Ildefonso - a vir lembrar a freguesia do meu nascimento, com a vida a crescer (como eu me tornei velho) até às proximidades da culminância da urbe onde, se calhar contristadamente, Afonso VII de Castela reconheceu, mediante o célebre Tratado de Zamora, Portugal um país independente. Em consequência das façanhas do nosso primeiro Rei e dos seus guerreiros. - Nós somos livres e o nosso Povo é livre! - assim proclamou D. Afonso Henriques, o Fundador.
Tinha havido muita liça de permeio. Zamora é um ermo de palavras sobre tão capital assunto. Mas não deixa de trepar às suas barbacãs, onde provavelmente Castela se terá rendido a todas as evidências. E este é o único 5 de Outubro que Portugal há de celebrar.
Ficaram mais peugadas até lá: a Catedral de San Salvador e os "mil" sinos da sua torre mestra
cujo início de construção remonta a pouco antes do Tratado, nata em idos das antigas invasões muçulmanas, velhinha, medalhada, quiçá a anfitreã das hostes do nosso primordial monarca. Se não ela, o castelo arriba,
de qualquer jeito explicando aos castelhanos que nós eramos nós, e eles os outros. Foi como alcançámos, invadimos a fortaleza. E no seu cimo, comendo talhadas de melância, como os Ramires piratas seiscentistas (conta-nos Eça de Queiroz), gozámos el Duero, já mais próximo da Nação, tropeçando em açudes onde as cegonhas poisam e bicam o peixe.
A vida nestas paragens é saúde. Quero dizer, é a paz (despida de tolices pseudo-filosóficas), quietude e remansos; é a beleza das águas, da sua limpidez e da sua força eterna.